O Instituto Justiça Fiscal participa de audiência pública na Comissão Especial da Reforma Tributária na Câmara dos Deputados

A audiência da Comissão Especial para Análise, Estudo e Formulação de Proposições relacionadas à Reforma Tributária foi realizada no Plenário 14 da Câmara dos Deputados na manhã do dia 20/10/2015. Foi requerida pelo Deputado Federal Hildo Rocha (PMDB/MA), que conduziu os trabalhos ao lado do relator da comissão, Deputado Federal André Moura (PSC/SE).

O IJF foi convidado pelo Deputado Ronaldo Lessa, do PDT de Alagoas.

2015-10-22 - Lettieri na Comissão

Como palestrantes, participaram André Horta, Coordenador Nacional do Conselho dos Secretários Estaduais da Fazenda (CONFAZ) e Marcelo Lettieri Siqueira, Diretor Técnico do IJF. O objetivo da audiência era discutir propostas de reforma tributária para a promoção da justiça fiscal.

Em sua participação, Lettieri apresentou inicialmente um diagnóstico do atual sistema tributário brasileiro e, em seguida, discorreu sobre o Projeto Isonomia das Rendas, conduzido pelo IJF. Destacou a regressividade do nosso Sistema Tributário, excessivamente concentrado sobre o consumo de bens e serviços, fazendo com que, proporcionalmente, os mais pobres paguem mais impostos que os mais ricos. Como solução, propõe uma mudança na composição da carga tributária: “já que não existe espaço para reduzir a carga tributária bruta, pelo menos no curto prazo, propomos uma mudança no sistema tributário de forma a aumentar a tributação sobre a renda e o patrimônio e, com isso, reduzir a carga tributária sobre o consumo”, explicou.

O IJF apresentou, em linhas gerais, sua proposta de construção de um sistema tributário mais justo, enfatizando o projeto Isonomia das Rendas.

Além desta proposta de isonomia, o projeto inclui a revogação da isenção do Imposto de Renda de lucros e dividendos distribuídos a pessoas jurídicas e a residentes no exterior, o fim da dedutibilidade da base de cálculo do IRPJ e CSSL dos juros sobre capital próprio pagos pela pessoa jurídica e a revisão da Tabela de Incidência do IRPF ampliando a faixa de isenção de rendimentos para o valor do salário mínimo necessário calculado pelo DIEESE (R$ 3.299,66 em 2015), redefinindo e redistribuindo as alíquotas e faixas de renda de forma mais justa.

Em síntese, são essas as alterações legais necessárias:

1) Revogação do art. 9 da Lei 9.249/95 (juros sobre capital próprio);

2) Alteração do art. 10 da Lei 9.249/95 (fim da isenção da tributação pelo IR dos lucros e dividendos distribuídos);

3) Revogação do art. 14 da Lei Complementar 123 (isenção dos lucros distribuídos por empresas do SIMPLES NACIONAL);

4) Alteração da Lei 11.312 para tributar pelo IR os lucros dos investidores estrangeiros;

5) Alteração das leis que instituíram a tributação exclusiva para ganhos de capital e rendimentos de aplicações financeiras;

6) Alteração na Lei 11.432 (revisão da Tabela progressiva de incidência de IRPF).

“As 80 pessoas mais ricas do mundo têm mais dinheiro do que 3,5 bilhões de pessoas”, diz pesquisadora

Em entrevista ao Brasil de Fato, Silvia Ribeiro mostra que, ao contrário do que se pensa, a riqueza mundial cresceu 68% nos últimos dez anos, mas apenas 1% da população acumulou 95% da riqueza gerada.

Por Luiz Felipe Albuquerque,

De São Paulo (SP)

 

Nos últimos anos, notícias diárias retratam a grave crise econômica pela qual passa todo o mundo. Ao mesmo tempo, nos chegam notícias sobre recordes de lucratividade de alguns setores. O que explicaria algo que a princípio parece ser contraditório?

Para a pesquisadora Silvia Ribeiro, do Grupo ETC, não há nada paradoxal nesse processo. Ribeiro traz um cenário assustador ao demonstrar que nos últimos dez anos, apenas 1% da sociedade abocanharam 95% da riqueza gerada em todo o mundo.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Silvia Ribeiro explica quem são estes 1%, e afirma que estes mesmos setores são os principais responsáveis por uma das mais graves crises mundial: a mudança climática. O campeão dessa crise climática? Toda a cadeia produtiva do agronegócio.

Confira:

Crédito: Reprodução/ETC

Brasil de Fato – Muitos falam que estamos vivendo uma enorme crise econômica mundial, mas ao mesmo tempo vemos lucros cada vez maiores de determinadas empresas. O que explicaria esse paradoxo?

Sílvia Ribeiro – Temos muitas crises. A crise econômica de 2008, a crise ambiental, social e climática. Em relação à crise financeira, alguns grandes grupos econômicos perderam e instituições desaparecem, mas outras se fizeram mais fortes e poderosas comprando estas e outras empresas.

O resgate bancário que se faz com a crise favorece enormemente os bancos muito poderosos, que recebem cifras bilionárias de dinheiro público. Vivemos na maior desigualdade que se conhece na história.

1% da população mais rica do mundo tem 50% da riqueza mundial. Por outro lado, e mais impactante, é que as 80 pessoas mais ricas do planeta tem a mesma quantidade de dinheiro que as 3,5 bilhões de pessoas mais pobres, ou seja, a metade do mundo. 80% de toda humanidade só tem 5,5% da riqueza.

A crise foi manejada pelos Estados para salvar os ricos. Além de dar dinheiro, as empresas tem tudo a seu favor para manipular e capitar novas formas de lucro que são geradas depois da crise.

Ao contrário do que as pessoas pensam, a riqueza mundial cresceu 68% nos últimos 10 anos, mas 95% da riqueza gerada foram apropriadas por apenas 1% da sociedade. O resto da população ficou mais pobre, com trabalho mais precarizado e desempregados. As “pessoas comuns” vivem a crise, mas paradoxalmente a crise foi uma oportunidade para os mais ricos se apropriarem de mais dinheiro e de mais recursos, eliminando concorrências.

 

E quem são estes 1% mais ricos?

Dados da Revista Fortune mostram que das 100 maiores economias do planeta, 40 são empresas e 60 são países. Ou seja, 40 empresas tem mais dinheiro do que a maioria dos países.

Quando vemos quais são as maiores empresas do mundo, percebemos que a maioria são empresas de energia, sobretudo as petroleiras, de transporte e algumas exceções, como poucas empresas de tecnologia e alguns bancos.

As 12 principais empresas coincidem exatamente com os dados que tem provocado o maior desequilíbrio ambiental global, que é a mudança climática. Trata-se do sistema agroalimentar industrial, da geração e extração de energia e transporte. Esses três setores são os principais causadores da mudança climática.

Porém, das 12 principais empresas, a maior de todas é o supermercado Walmart. Isso nunca havia acontecido. É a primeira vez que o Walmart está em primeiro lugar. É uma empresa de serviços e o maior empregador privado do mundo. E isso tem uma série de significados.

E quais seriam?

O capitalismo tende a concentrar, e um dos setores que mais tiveram concentração foram as empresas agroalimentar. Desapareceram as empresas de sementes, de processamento, e hoje em dia temos 20 empresas que controlam a maior parte do mercado de alimentos, desde a produção de sementes aos supermercados.

Desde 2009, o maior mercado do mundo é o agroalimentar industrial, passando o mercado de energia, que foi o maior durante todo o século 20.

Isso tem a ver com a industrialização da comida, o processo agro alimentar e a expulsão das pessoas do campo. Esse tipo de empreendimento só pode se concentrar em locais com grandes concentrações urbanas.

Além disso, o Walmart significa “Walmartização” do mercado de trabalho. O Walmart proibiu a sindicalização, e as pessoas que trabalham na empresa são sócias, e não empregadas. É uma das empresas que tem maior quantidade de demandas por motivos de discriminação trabalhista, físico, sexual, etc. Nos EUA, por exemplo, a empresa conseguiu baixar o salário de seus funcionários em quase 30%.

Porém, o Walmart tem a imagem do que se pretende o modelo capitalista de consumo, em que nada é fresco e tudo passa por um processamento, de embalagem, refrigeração, etc.

Entretanto, é muito significativo que o Walmart seja a primeira empresa do mundo, porque ele trabalha com algo de que não poderíamos abrir mão na nossa vida: a comida. Não é somente o maior mercado do mundo, mas é essencial por ser um mercado que não pode deixar de existir. Ele se apropria de um setor chave da sociedade, e está na ponta da cadeia agro alimentar.

Hoje em dia temos dois grandes paradigmas do modelo. Um é a Monsanto, e do outro lado está o Walmart. A Monsanto se apropria de todo o início da cadeia, como as sementes – e que agora está tentando comprar a Syngenta, a maior fabricante de agrotóxicos do mundo, o que daria a ela um controle quase total do início da cadeia -, e do outro está o Walmart, que é tão grande que pode colocar condições a todo o resto da cadeia.

Por ser um dos maiores setores do mundo, esse sistema agro alimentar também seria um dos maiores causadores dos problemas ambientais?

A mudança climática é um dos mais graves problemas ambientais do mundo. No último século, já aumentamos 1°C a temperatura média da terra, e a projeção é que aumente de 4°C a 5°C.

Isso é devastador do ponto de vista ambiental e dos impactos que terão sobre o ecossistema e na forma de subsistência da vida humana. Já há dezenas de milhares de migrantes climáticos no mundo, e a Organização Mundial da Migração já disse que a mudança climática será um dos fatores que fará crescer muito o número de migrantes.

A Terra levou bilhões de anos para equilibrar o clima para que existisse vida. Mas nosso sistema econômico e político desequilibrou o clima em apenas 100 anos, a um ponto difícil de controlar. E isso tem a ver, sobretudo, com a emissão de gases de efeito estufa.

Essas emissões são o ponto 1 para entender porque o clima é um paradigma tão importante. Conhece perfeitamente as causas das mudanças climáticas. O IPCC identifica três grandes setores que são os principais: 25% é a extração e produção de energia; o segundo, com 24%, é a agricultura industrial e toda a mudança do uso do solo e o desmatamento, e 14% o transporte.

Porém, a Via Campesina e Grupo ETC, fizemos um trabalho de analisar esses dados de outra maneira. Nos perguntamos: quem usa a energia, quem usa os transportes e porque se produz o desmatamento?

Quase 85% do desmatamento é para a expansão da fronteira agrícola. Ou seja, não se trata apenas de um problema de desmatamento, mas um problema que está vinculado à expansão da fronteira agrícola.

A maioria da emissão de metano, por exemplo, tem a ver com a comida agroindustrial. Na comida dos mercados locais não há embalagens como nos convencionais, ela não vai parar no lixo, mas num composto, se recicla, etc. 75% do corte de árvores no mundo se transforma em embalagens.

Quando começa a identificar quem usa os transportes, as embalagens, quem provoca a deflorestação, vemos que o que está por trás é o sistema alimentar agroindustrial. Da Monsanto ao Walmart. Este sistema provoca entre 44% a 57% dos gases de efeito estufa.

Mas ele não é essencial à vida humana?

O sistema alimentar agroindustrial alimenta apenas 30% da população mundial, mas se utiliza de 75% a 80% das terras agrícolas do mundo, de 70 a 80% da água e dos combustíveis de uso agrícola. Além disso, todas as sementes que se utilizam neste sistema são patenteadas e pertencem a uma empresa. Não há nenhum agrotóxico no planeta que não seja de uma empresa transnacional. As dez maiores empresas tem 95% de todo mercado mundial.

Do outro lado temos um dos melhores exemplos que são as redes de alimentação camponesa, que incluem pescadores, ribeirinhos, hortas urbanas, etc. Este sistema tem apenas 25% da terra agrícola no mundo e alimenta 70% da população mundial, com apenas 30% dos recursos hídricos e 20% dos combustíveis.

Ele não apenas oferece mais alimento, mas se tivesse mais terra – por isso a reforma agrária segue sendo um problema fundamental -, apoios mínimos, poderiam produzir muito mais, já que com as condições tão desfavoráveis, num processo quase de guerra contra os camponeses, se produz tanto.

E o que estas grandes corporações tem dito frente a estas questões?

A única propostas das grandes corporações para a saída da crise climática é o que chamamos de falsas soluções. São soluções tecnológicas muito negativas, como os transgênicos e os agrotóxicos, que eles chamam de “intensificação sustentável”.

São medidas tecnológicas extremamente perigosas e completamente falsas. Um exemplo é o mercado de carbono. Dizem que diminuirão as emissões, mas seguem aumentando o tempo todo. São apenas novos fatores especulativos, que permitem com que os capitalistas privatizem até mesmo o ar.

Ainda que pareça loucura, em lugar de ir às causas do problema, as empresas estão apresentando propostas sobre a manipulação do clima. O efeito estufa, por exemplo, é uma relação entre os gases que formam uma capa e não deixa os raios solares saírem. Para isso há a proposta de se criar nuvens vulcânicas artificiais para tapar os raios de sol para que não cheguem tanto no solo; fazer cultivos transgênicos brilhantes para que reflita o sol, ou branquear as nuvens para refletir o sol.

Se estas propostas forem efetivadas, mudaria os padrões de chuva e vento e a temperatura baixaria, mas as monções na Ásia, por exemplo, perderiam sua intensidade, e mudaria todo o sistema agrícola da região, e ao mudar a precipitação, mudaria os ventos na África.

Outra proposta é como sacar os gases que estão em excesso com meios tecnológicos. A indústria petroleira está propondo em retirar o dióxido de carbono e enterrá-lo a mais de 1.500 metros de profundidade em poços de petróleo e em minas esgotadas. Esse é um dos métodos que irão propor na Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP21), que irá acontecer em dezembro, em Paris.

Isso serve à indústria porque já é uma técnica petroleira. Os poços de petróleo têm 20% a 25% de reservas que não pode ser retirada por estarem tão profundas. Mas com o dióxido de carbono seria possível injetar e empurrar essa reserva para que ela saísse. Apenas não a usavam porque é muito cara.

Porém, poderiam vendê-la como uma solução para o clima. Isso significa que eles estão pedindo aos governos para que paguem as instalações. Os governos não só pagariam as instalações, como as empresas retirariam mais reservas de petróleo e cobrariam créditos de carbono para enterrarem os gases.

Isso levaria a uma nova onda de concentração de terra, e mesmo que fizessem isso em todos os poços do mundo, não seria suficiente para retirar os gases da atmosfera. Além disso, o dióxido de carbono teria que ficar ali para sempre, mas para a empresa não importa se ele sairá dentro de um, dez ou vinte anos. Isso é uma manobra para que eles tenham subsídios, retirem mais petróleo e depois diriam: com isso não foi possível, agora precisamos da Neo Engenharia, que é a manipulação do clima.

Diante desse quadro, quais seriam as alternativas?

Os movimentos sociais têm debatido soluções reais e possíveis a um dos problemas mais graves do planeta, que é a crise climática. Há dez anos a Via Campesina começou a dizer que os camponeses esfriam o planeta. Um dos maiores fatores de absorção do dióxido de carbono são os solos. Imediatamente, os empresários disseram: “vamos comprar solos para absorver o gás”.

Porém, para o que o solo absorva e retenha o dióxido de carbono é preciso que ele seja manejado, o que precisa de gente, e isso só os camponeses podem oferecer. Além do mais, são os camponeses que conhecem, literalmente, milhares variedades de sementes, espécies de plantas, árvores, etc, o que pode dar resposta às mudanças climáticas.

Os movimentos mais vivos da terra são os movimentos que tem a ver com a defesa da cultura, da comunidade, dos territórios e a luta pela terra. Não quero dizer sozinhos resolveriam tudo, claro que precisamos de uma articulação muito mais ampla.

A Via Campesina é o maior movimento da história do mundo, desde a quantidade de gente, números de países e que, ademais, tem um elemento fundamental: não tem apenas soluções, mas já a executam.

Um dos maiores desafios é derrubar mitos: o mito de que a agricultura industrial é quem nos alimenta, e que sem ela não seria possível alimentar o planeta. Não necessitamos de grandes desenvolvimentos industriais e fontes de energia para termos uma boa vida, inclusive a que temos agora, o problema é que não somos nós que estamos usando a maior parte dos recursos, mas sim uma minoria.


Disponível em http://brasildefato.com.br/node/33182?utm_source=phplist634&utm_medium=email&utm_content=HTML&utm_campaign=Boletim+Semanal+-+Faces+de+Cunha+-+Cap%C3%ADtulo+3%3A+As+Contas+

Crise econômica: jornalistas ingênuos ou comprados pelo sistema?

Por Dejalme Andreoli, associado ao IJF
Quando um jornalista diz em texto assinado que “Tendo produzido uma crise econômica e política a doutora Dilma e o PT mostram-se dedicados a agravá-la”, outro fala sobre o “atoleiro gaucho”, e outros repetem sempre a mesma frase “gasta mais do que arrecada”, escondem a verdade da crise econômica generalizada, envolvendo todos os países do mundo capitalista. É uma crise gerada pelos resultados da hegemonia do capital financeiro que submete todas as economias nacionais aos compromissos de uma dívida que gasta, no Brasil, mais de 40% das receitas orçamentárias do governo.

Teoricamente, sabe-se que os administradores públicos estabelecem prioridades nos gastos orçamentários, e o elenco destas prioridades definidas em campanha eleitoral.  Só que estas prioridades só pode serem estabelecidas depois que pagar em o principal e os juros da dívida. E aí não sobra dinheiro suficiente para encaminhar as prioridades.   É por isto que as administrações públicas, tanto federal (Brasil, por ex.) quanto a regional (Rio Grande do Sul, por ex.) sacrificam os itens que compõe o elenco de prioridades contidas em seus planos de governo, em favor do pagamento dos encargos da dívida.

O tal de superávit primário é a medida de quanto os governos devem pagar ao capital financeiro para, depois, o que sobrar no orçamento é que terão a liberdade de fazer frente a seus gastos. É dada prioridade a uma percentagem mínima de pessoas ricas e poderosas que aplicam nos mercados financeiros, em detrimento do resto da população, em grande parte composta de pobres e remediados.  Mais de 40% do orçamento é, prioritariamente, repassado a poucos e bens nutridos se nhores ricos, brasileiros e estrangeiros.

Os jornalistas que ocupam os espaços da mídia em geral escondem esta realidade da população em geral. Graças ao bom Deus que temos a mídia alternativa, que pelos sites da vida nos dá as informações que precisamos para conhecer a realidade. Infelizmente a grande maioria da população são influenciados pelo que é veiculado pelas redes de televisão, rádios, jornais e revistas, cujos proprietários também especulam no mercado financeiro. Escondem o fato de que o ganho das atividades produtivas, que geram emprego e renda, perdem importância para os ganhos meramente especulativos do capital financeiro, onde dinheiro gera mais dinheiro sem participar do processo de produção de bens e serviços.  É só ver as notícias do desempenho dos bancos e dos ganhos do capital financeiro nas  economias do mundo capitalista, em conjuntura de  crise no mundo inteiro, e conseqüentemente no Brasil.

Auditores: propostas de maior arrecadação com aperto menor

Por O POVO – CE

O ministro Joaquim Levy deveria ouvir as propostas dos auditores fiscais para aumentar a arrecadação sem ampliar a carga ou o número de impostos – algumas ideias parecem bem menos dolorosas do que o ajuste fiscal para melhorar as contas do governo. O auditor Marcelo Lettieri, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), apresentou

à coluna alternativas elaboradas pelo INSTITUTO JUSTIÇA FISCAL, que reúne técnicos da área. Existem ideias para curto, médio e longo prazo. Uma delas é a análise das declarações de compensação. Ele ressalta que várias empresas declaram que possuem crédito a receber da Receita Federal; com isso, deixam de pagar os tributos por um período, até o julgamento do caso. Outro ponto para melhorar rapidamente as contas consiste na arrecadação dos tributos sobre lucros e dividendos, que atualmente são isentos de impostos. “Essa era uma situação temporária, criada em 1996, durante o período das privatizações, e ficou para sempre”. Somente com essa medida, ele diz que se arrecadaria R$ 70 bilhões por ano. Os auditores também sugerem mecanismos sobre o capital próprio. Lettieri conta que hoje uma pessoa que ganha R$ 10 mil paga 27,5% de imposto. Já um sócio de uma empresa, com os mesmos R$ 10 mil não paga nada. Ele diz que bastava cobrar a mesma alíquota para arrecadar mais R$ 20 bilhões. A última proposta, na visão do auditor, não teria nenhum impacto nas taxas de investimentos, que permanecem inalteradas nos últimos 20 anos (18% do PIB). “O gráfico da taxa de investimento parece o eletrocardiograma de um morto”, acrescenta. Com essas questões, não precisaria nem entrar em polêmicas como a cobrança de imposto sobre grandes fortunas, embora a proposta também esteja entre as listadas pelos auditores (veja algumas ideias).

SEIS PROPOSTAS DOS AUDITORES

1-      Tributação da distribuição de lucros e dividendos: R$ 70 bilhões de arrecadação/ano;

2-      Tributação normal dos juros sobre capital próprio: R$ 15 bilhões de arrecadação/ano;

3-      Instituição do Imposto sobre grandes fortunas: 12,6 bilhões por ano (se for adotado o modelo francês);

4-      Recuperação de passivos tributários (superiores a R$ 500 bilhões). Se recuperados 10%, haveria um potencial de 50 bilhões/ano;

5-      Redução da sonegação/ evasão/elisão (10% = 50 bilhões – Fonte: Sonegômetro);

6-      Atuação mais efetiva da Receita Federal (contra lavagem de dinheiro, financiamento via compensações, operações focadas etc.).

Projeto de código estabelece ´banda´ para royalties

Por Valor Econômico

Com crítica dos municípios mineradores sobre a redução dos tributos sobre o minério de ferro, o deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG) apresentou ontem o relatório sobre o novo Código da Mineração com o estabelecimento de “bandas” para a taxação do mineral, cuja alíquota vai variar de acordo com o valor internacional da commodity. A previsão é votar o texto em comissão no dia 23 de setembro, após nova rodada de audiências públicas.

De acordo com o projeto, quando a tonelada do minério de ferro ficar abaixo de US$ 60, as mineradoras pagarão do 1% do faturamento bruto com a venda do produto. A taxa subirá para 2% quando a tonelada ficar entre US$ 60 e US$ 80, irá para 3% entre US$ 80 a US$ 100 e atingirá 4% quando for superior a US$ 100.

O percentual cai pela metade

A “banda”, feita a pedido das mineradoras e negociada com o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga (PMDB), foi a principal mudança em relação ao relatório anterior do pemedebista, que previa alíquota fixa de 4% sobre o faturamento bruto para o minério de ferro. Pela legislação atual, é cobrado 2% sobre o faturamento líquido. A princípio, as mineradoras concordavam com o aumento para 4%, mas passaram a pressionar pela mudança ou suspensão do projeto depois da queda no valor do minério de ferro, que chegou a ser vendido a mais de US$ 140 por tonelada, mas hoje está em US$ 56 com a desaceleração da China. “O preço caiu tanto que as empresas estão fechando. Não dá mais para trabalhar com a alíquota de quando começamos a discussão”, afirma Quintão.

A alteração foi criticada pelo presidente da Associação dos Municípios Mineradores (Amig), José de Freitas Cordeiro (PSDB), que prevê queda de 37% na arrecadação das cidades onde ocorre a extração mineral. “Já estamos demitindo funcionários e cortando contratos por causa da redução dos royalties. Com essa banda a alíquota nunca vai chegar nos 4%, não teremos outra China para elevar o valor do minério acima de US$ 100”, disse o tucano.

Os outros minerais tiveram as alíquotas mantidas em relação ao relatório anterior: 1% para ouro, água mineral, argilas e areia para construção civil, rochas ornamentais, fósforo, potássio e minérios usados na agricultura, tungstênio, dolomito e quartzo industrial; 1,5% para o carvão; 2% para bauxita, calcário, manganês, caulim, nióbio e terras raras; 4% para diamante extraído por mineradoras e grafite.

O relator também reduziu pela metade as taxas de fiscalização para concessão, autorização de pesquisa e de extração de recursos minerais. Empresas de grande porte pagarão R$ 40 mil por serviço (era R$ 80 mil), as médias, R$ 20 mil, e as pequenos, R$ 10 mil. Microempresas e cooperativas pagam R$ 5 mil.

Mesa Redonda sobre a Campanha Global por Justiça Fiscal – 22 e 23/07/2015 – POA/RS

IMG_8070Realizada na sede da Agafisp nos dias 22 e 23 de julho, a “Mesa Redonda Sobre a Campanha Global por Justiça Fiscal – Que as Transnacionais Paguem o Justo”, organizada pelo Instituto Justiça Fiscal (IJF), com a participação das entidades responsáveis pela campanha no Brasil, a Rede de Integração dos Povos (Rebrip), o Instituto de Estudos Sócio Econômicos (Inesc), a Auditoria Cidadã da Dívida e o IJF, teve como um dos objetivos principais sensibilizar as lideranças de trabalhadores, sindicatos e movimentos sociais sobre a importância do tema.

As apresentações dos palestrantes durante o evento colaboraram não só nessa sensibilização como também na capacitação dos agentes disseminadores da Campanha. Segundo Rómulo Torres, da Red sobre Deuda, Desarrollo y Derechos (Latindadd) e que vem disseminando a Campanha pela América Latina, é importante compreender bem os temas propostos para melhor operacionalizar a Campanha em cada país, pois cada um tem suas características próprias, seus recursos, seus instrumentos.

Estiveram presentes no evento representantes de centrais sindicais de trabalhadores, Claudir Nespolo (CUT) e Lelis Falcão (Força Sindical); de sindicatos e associação de servidores públicos, Tânia Garcia (Agafisp), Josete Vignolle (Sindifisco Nacional – Pelotas), Edison Souza (Sindifisco Nacional – Porto Alegre); do Núcleo Gaúcho da Auditoria Cidadã da Dívida, bem como representantes da Sociedade de Economia e do Sindicatos dos Economistas, do DIEESE e da UNACON, funcionários públicos municipais, estaduais e federais, jornalistas e outros convidados.

Além da divulgação da Campanha no próprio evento, os palestrantes participaram do programa de rádio “Esfera Pública”, apresentado pelos jornalistas Juremir Machado e Taline Opitz, da Rádio Guaíba, na tarde do dia 22, ocasião em que prestaram vários esclarecimentos à sociedade sobre este tema.IMG_20150722_141129194[1]

A Coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lúcia Fatorelli, participou do programa de televisão “Cidadania”, da TVE (https://www.youtube.com/watch?list=PLEVHKqwu2VEhiCEa6UEp-QLnL440Ne9bv&v=x43jtodgHXQ), além de conceder entrevista por telefone ao programa “Atualidade”, da Rádio Gaúcha, também na tarde do dia 22 de julho.

Na manhã do dia 23, os organizadores da Campanha estiveram presentes no auditório do Edifício-Sede do Ministério da Fazenda, fazendo palestra para os auditores-fiscais da Receita Federal do Brasil, responsáveis pela arrecadação dos recursos públicos.

Ao final do evento, na tarde do dia 23, os representantes das entidades organizadoras e demais participantes fizeram uma reunião de avaliação e planejamento dos próximos passos da Campanha.

Rodolfo Bejarano e Rómulo Torres, da Latindadd, consideraram que o evento atingiu os objetivos propostos. De acordo com eles, “nossa expectativa é fazer com que a Campanha Global por Justiça Fiscal avance na direção de um sistema tributário mais justo, em que paguem proporcionalmente mais os que tenham mais”.IMG_8090

Mesa Redonda sobre a Campanha Global por Justiça Fiscal – 2ª parte

IMG_8072Realizada na sede da Agafisp nos dias 22 e 23 de julho, a “Mesa Redonda Sobre a Campanha Global por Justiça Fiscal – Que as Transnacionais Paguem o Justo”, organizada pelo Instituto Justiça Fiscal (IJF), com a participação das entidades responsáveis pela campanha no Brasil, a Rede de Integração dos Povos (Rebrip), o Instituto de Estudos Sócio Econômicos (Inesc), a Auditoria Cidadã da Dívida e o IJF teve seu seguimento na tarde do dia 23 de julho.

Na primeira parte da tarde, a palavra esteve com a Coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lúcia Fattorelli, que tratou da dívida pública brasileira e das auditorias realizadas no Equador e na Grécia. Segundo Maria Lúcia, o sistema da dívida está inserido em um contexto de um modelo econômico equivocado, voltado para a concentração de renda e riqueza e de um modelo tributário injusto e regressivo, juntamente com o descontrole sobre a movimentação de capitais. A conjuntura do Brasil em 2015, de aumento de juros, elevação da inflação e alta na taxa de juros para combater, supostamente, o aumento da inflação, e um severo ajuste fiscal não é somente uma conjuntura, mas reflexo deste modelo econômico aplicado.

O sistema da dívida, esclareceu ela, nada mais é do que a utilização do endividamento como mecanismo de subtração de recursos e se reproduz interna e internacionalmente, no âmbito da União, dos estados e dos municípios. “É uma dívida sem contrapartida, em que o maior beneficiário é o setor financeiro”.IMG_20150723_144355219[1]

Fazendo um retrospecto sobre a dívida pública brasileira, Fattorelli questionou a origem da dívida, o que de fato devemos e o que de fato já pagamos; quem contraiu essa dívida, onde foram aplicados os recursos; quem se beneficiou mais desta dívida, qual a responsabilidade dos credores e organismos internacionais nesse processo. “São perguntas que poderiam ser respondidas se fosse feita, no Brasil, uma auditoria semelhante às realizadas no Equador e na Grécia. Enquanto não fazemos a auditoria, seguimos assistindo a essa sangria de recursos públicos, a perda de nossa soberania e a brutal desigualdade de renda e riqueza, que tanto prejudica os mais pobres”.

O segundo palestrante da tarde foi o auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil e Diretor de Relações Institucionais do IJF, Dão Real Pereira dos Santos, que abordou o tema “Globalização – Evasão – Dois Lados da Mesma Moeda”. De acordo com Dão Real, nos últimos 20 anos, o volume de exportações no mundo aumentou cinco vezes, enquanto o PIB mundial no período apenas dobrou. As grandes corporações econômicas se mundializaram, pulverizando suas unidades de produção e serviços em diversos países e intensificando o “comércio” intrafirma e a utilização de paraísos fiscais. No caso do Brasil, de 1990 até 2012 a corrente de comércio exterior aumentou nove vezes, enquanto o PIB aumentou 4,8 vezes.IMG_8052

A globalização, tornou-se, assim, uma verdadeira armadilha para os países, pois trouxe desregulamentação dos fluxos comerciais e financeiros, com redução de controles e impostos e aumento abusivo das parcelas intangíveis de valor dos bens. Além disso, os acordos internacionais acabam reduzindo a soberania tributária dos países.

De acordo com a Tax Justice Network, o Brasil é o quarto maior país com maior volume de recursos em paraísos fiscais, US$ 520 bilhões, equivalentes a R$ 1,05 trilhão. Esse é, segundo Dão Real, o verdadeiro problema: “Em 2011, o Brasil exportou US$ 256 bilhões, sendo 30% vendido para Suíça e Ilhas Cayman, mas somente 3% foi embarcado para aqueles países, ou seja, o fluxo financeiro não é compatível com o fluxo das mercadorias”.

De acordo com a Global Finance Integrity (GFI), entre 2010 e 2014, os fluxos ilícitos totalizaram 1,47% do PIB, com uma média anual de saídas de US$ 36 bilhões. No Brasil, a manipulação de preços no comércio internacional representa cerca de 95,4% de todos os fluxos ilícitos entre 2006 e 2011, ainda conforme a GFI (aproximadamente 180 bilhões de dólares).

A evasão tributária no Brasil, por meio dos fluxos ilícitos, é estimada em US$ 36 bilhões por ano (R$ 108 bilhões), se considerarmos uma alíquota de 34% a título de imposto de renda. O comércio internacional produz cerca de US$ 480 bilhões, correspondente a 25% do PIB brasileiro e o comércio intrafirma, cerca de 15% do PIB.

“Se o comércio internacional intrafirma produz uma evasão estimada em R$ 37 bilhões, é razoável imaginar que a evasão total estimada, segundo a mesma proporção, seja de aproximadamente R$ 240 bilhões por ano o que, inclusive, é coerente com a sonegação no Brasil estimada pelo Sinprofaz – Sonegômetro, de aproximadamente R$ 200 bilhões por ano”, completou Dão Real.IMG_20150723_153403330[1]

Concluindo, Dão Real disse que os fluxos ilícitos representam perda de capitais e de tributos, comprometendo a soberania e a capacidade do Estado em promover políticas públicas, vez que os países ficam à mercê das transnacionais, imunes à ação do Estado.

Mesa Redonda sobre a Campanha Global por Justiça Fiscal – 1ª parte

IMG_8060A luta pela justiça fiscal teve mais um importante passo dado na semana passada, quando foi realizada na sede da Associação Gaúcha dos Fiscais da Previdência (Agafisp), a “Mesa Redonda Sobre a Campanha Global por Justiça Fiscal – Que as Transnacionais Paguem o Justo”, organizada pelo Instituto Justiça Fiscal (IJF), com a participação das entidades responsáveis pela campanha no Brasil, a Rede de Integração dos Povos (Rebrip), o Instituto de Estudos Sócio Econômicos (Inesc) e a Auditoria Cidadã da Dívida e o IJF.

Nas tardes de quarta-feira, 22, e quinta-feira, 23 de julho, representantes destas e de outras entidades representativas de movimentos sociais e de trabalhadores, bem como convidados, reuniram-se com Rómulo Torres e Rodolfo Bejarano, da Red sobre Deuda, Desarrollo y Desenvolvimento (Latindadd), que anteriormente já haviam passado por Guatemala, Honduras e Nicarágua, Uruguai e, mais recentemente, na Argentina, divulgando e impulsionando a Campanha.

A Red de Justicia Fiscal de América Latina y el Caribe (RJFAC), da qual fazem parte a Latindadd e as demais entidades, organizou uma plataforma que busca canalizar, em nível mundial, estudos, investigações, pesquisas e mobilização popular para difundir e impulsionar a campanha por Justiça Fiscal. Segundo Rómulo Torres, “cada país organiza a campanha conforme suas especificidades e seus recursos, podendo usar estudos de caso, pesquisas, folhetos, vídeos promocionais, camisetas, banners, enfim, cada um vai definir os mecanismos a serem utilizados em seus países”.

A ideia central da Campanha é sensibilizar os governos e instituições que decidem e implementam as políticas públicas e a sociedade civil para que seja exigido que as empresas transnacionais paguem aquilo que efetivamente devem nos países em que operam, já que se utilizam de complexos mecanismos para evadir tributos e transladar seus lucros para países com tributação mais favorecida (planejamento tributário).

IMG_8070No dia 22, o engenheiro economista Bejarano falou sobre os principais mecanismos de evasão fiscal e mostrou como bilhões de dólares se evadem dos países em desenvolvimento rumo aos paraísos fiscais, principalmente por meio de mecanismos como preços de transferência, empréstimos entre empresas vinculadas a juros maiores que os de mercado, utilização de empresas fantasma e uso abusivo de tratados que evitam a bitributação.

Na sequência, Grazielle David, que representou o Inesc, abordou a questão tributária sob o ponto de vista dos direitos humanos. Grazielle colocou, de forma clara, que “a evasão e a elisão fiscal resultam na violação de direitos humanos e representam, inclusive, um retrocesso em relação a esses direitos”. Ela ainda referiu a III Conferência Internacional das Nações Unidas sobre Financiamento para o Desenvolvimento, ocorrido entre os dias 13 e 16 de julho, quando havia uma grande expectativa por uma maior cooperação internacional em matéria fiscal para conter a onda dos fluxos financeiros ilícitos. “Ficamos decepcionados porque a criação de um organismo internacional, dentro da ONU, para a tomada de decisões referentes à regulamentação tributária internancional, não foi adiante. Mais uma razão, portanto, para aumentar a participação em campanhas como essa, cobrando por mais justiça fiscal”.

O economista e técnico do Dieese e representante da Rebrip, Adhemar Mineiro, fez um retrospecto da ação da Rede nos últimos anos, trouxe as principais deliberações do evento realizado em São Paulo sobre justiça fiscal no mês de junho passado e falou sobre a participação brasileira na reunião de Addis Abeba. Ele explicou que a Rebrip, em 2003, estava mais focada nas questões de comércio nacional e internacional, mas que ao longo dos anos outros temas como taxação internacional, financiamento para o desenvolvimento e economia global, entre outros, foram sendo inseridos na agenda da Rebrip, o que culminou na realização do seminário sobre justiça fiscal na Semana de Ação Global por Justiça Fiscal.

IMG_8052Na ocasião, foram realizados painéis, sendo no primeiro deles tratada a situação geral do Brasil pelo embaixador Carlos Cozendey e abordada a evasão fiscal do ponto de vista internacional. No segundo foram tratadas a campanha e ações a serem desenvolvidas, tais como: monitoramento do BEPS e das transnacionais, controle sobre setor financeiro e extrativo, defesa do setor público, maior transparência e participação social, regulação do comércio internacional, combate aos fluxos ilícitos e paraísos fiscais, redução das desigualdades.

Com relação à reunião em Addis Abeba, Adhemar relatou que o Brasil enviou vários representantes importantes e teve posições firmes, mas as entidades com maior poder financeiro com FMI e Banco Mundial bloquearam as tentativas de mudança. O órgão intergovernamental não foi aprovado, mas, segundo ele, o seguimento da discussão sobre o financiamento para o desenvolvimento está garantido. “Houve dois grandes avanços em Addis Abeba, o primeiro é o maior controle nas transnacionais, mesmo nos países desenvolvidos, e o segundo, uma maior articulação da sociedade civil.

Finalizando a tarde da quarta-feira, Rómulo Torres fez a apresentação da Campanha, seus objetivos e estratégias a serem utilizadas, bem como as ferramentas disponíveis para sua viablização. Primeiramente, é preciso capacitar e sensiblizar, o que pode ser feito com estudos de caso, vídeos ilustrativos da situação, cartazes com frases curtas e objetivas, camisetas, enfim, mecanismos de difusão da Campanha. Apresentou, ainda, várias ações já implementadas em diversos países, como uma passeata no dia 1º de maio em Lima, Peru, reunião estratégica sobre direitos humanos e tributação, também na cidade de Lima, envio de cartas a Ministros de Fazenda dos países latinoamericanos, participação na consulta regional da Cepal sobre financiamento para o desenvolvimento, no Chile, entre outros.

Taxação sobre patrimônio e renda. Alternativas ao ajuste fiscal. Entrevista especial com Róber Iturriet Avila

“A população tem razão de reclamar do serviço público, mas contribuímos pouco, na verdade, para que tenhamos melhores serviços públicos”, avalia o economista.

ajuste fiscal e o aumento de alguns tributos, a exemplo da conta de energia, embora seja “controverso”, é consequência das medidas adotadas pelo governo nos últimos três anos. Para entender o que acontece na economia brasileira hoje, é preciso “fazer uma análise olhando um pouco mais atrás”, pontua Róber Avila em entrevista concedida à IHU On-Linepor telefone.

O economista lembra que “a partir de 2012, 2013 e 2014, a economia passou a crescer um pouco menos, e o governo, no intuito de incentivar a economia, fez uma série de desonerações sobre automóveis, eletrodomésticos, sobre a folha de pagamento, a aquisição de máquinas, energia elétrica e combustíveis, estimando ou esperando que a economia crescesse na sequência”. Contudo, frisa, a insistência da equipe econômica em repetir a mesma política adotada à época do governo Lula, “dessa vez não deu certo”.

Ao que tudo indica, o “ensaio desenvolvimentista” proposto pelos governos Lula e Dilma “ficou para trás, e a bonança passou”. Contudo, os efeitos do baixo crescimento econômico poderiam ser enfrentados de outro modo, caso o Estado brasileiro optasse por tributar a renda, o patrimônio e as grandes fortunas. A proposta é sugerida pelo economista porque “no Brasil a tributação sobre heranças é bastante baixa quando comparada a outros países. Em outros países, na Europa ou mesmo nos Estados Unidos, as alíquotas são muito superiores, 30%, 40%, depende do país. Por exemplo, no Reino Unido o imposto é de 40%, na França é de 32%, nos Estados Unidos é de 29%, na Alemanha, 28,5% e no Brasil é em torno de 4%, dependendo do estado”, informa.

Na entrevista a seguir, Avila explica ainda que o aumento do tributo sobre patrimônio tem menor impacto sobre a atividade econômica e “é mais injusto em termos sociais”. Do mesmo modo afirma que seria viável tributar dividendos, “porque o Brasil é um dos únicos países no mundo que não tributa os dividendos. Os acionistas recebem remunerações das empresas, como a participação dos lucros, e essa remuneração é isenta do Imposto de Renda no Brasil. Em outros países essa remuneração é taxada: na Dinamarca, 42%, na França, 38%, na Alemanha, 26%, na Bélgica, 25% e no Brasil é 0%”.

A tributação sobre grandes fortunas, de outro lado, “é um pouco mais complexa”, porque deveria ser um imposto anual sobre o patrimônio, “que é de difícil estimação; além disso, entra aquela questão de ‘o que é grande fortuna?’”.

Róber Iturriet Avila é doutor, mestre e bacharel em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Atualmente leciona na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos e é pesquisador da Fundação de Economia e Estatística – FEE. Também é colunista do portal Brasil Debate.

Confira a entrevista.

Foto: brasildebate.com.br

IHU On-Line – Como e por quais razões chegou-se ao momento de ter de fazer um ajuste fiscal de 70 bilhões, como o anunciado pelo governo? O que aconteceu com a economia brasileira?

Róber Iturriet Avila – É necessário fazer uma análise olhando um pouco mais atrás para entender o que acontecia anteriormente. Em um cenário de mais longo prazo, o Brasil vinha crescendo até 2011, e o governo podia, eventualmente, aumentar despesas e fazer desonerações, porque isso não trazia grande impacto já que, com a economia crescendo, a arrecadação de impostos aumentava mais do que proporcionalmente. A partir de 2012, 2013 e 2014, a economia passou a crescer um pouco menos, e o governo, no intuito de incentivar a economia, fez uma série de desonerações sobre automóveis, eletrodomésticos, sobre a folha de pagamento, a aquisição de máquinas, energia elétrica e combustíveis, estimando ou esperando que a economia crescesse na sequência.

Contudo, apesar das desonerações, a economia não cresceu. Na verdade, o governo passou a arrecadar menos e isso ocasionou um déficit fiscal mais elevado, sobretudo no ano passado, o que acarretou a necessidade do ajuste. Claro, nesse meio tempo houve a eleição e trocou o Ministro da Fazenda, mudando um pouco a posição da gestão macroeconômica, com redução de gastos e aumento de alguns impostos para reequilibrar as contas, dadas as desonerações que vieram no passado e sem o retorno esperado do crescimento econômico. Essa é a situação atual.

IHU On-Line – A política econômica de desonerações foi a única alternativa do governo naquele momento?

Róber Iturriet Avila – Fazendo uma análise ex post — como chamamos —, vendo o que ocorreu, quais foram as consequências, julgo que essa não foi a melhor medida a ser adotada. Houve uma série de desonerações e algumas não tiveram impacto nenhum. Inclusive, houve desoneração sobre a cesta básica também, no intuito de reduzir preços dos alimentos e, de fato, isso não aconteceu. No ano passado o Estado brasileiro desonerou em torno de 90 bilhões, para que as empresas investissem mais, gerassem mais emprego, mas essa medida não foi acertada.

IHU On-Line – O que poderia ter sido feito?

Róber Iturriet Avila – O Estado poderia ter usado esse recurso do qual abriu mão para fazer, eventualmente, obras de infraestrutura que são necessárias para o país e que têm um impacto sobre o emprego e o crescimento, geralmente mais consistente. Agora, claro, é muito mais cômodo fazer essa análise depois de isso já ter ocorrido.

À época havia uma expectativa de que essa medida desse certo, já que em 2008 ocorreu algo semelhante: diante de um contexto de crise internacional em 2008, o ex-presidente Lula fez uma série de desonerações e a economia respondeu rapidamente, porque as vendas aumentaram, a indústria respondeu e a arrecadação acabou sendo incrementada. Repetiram o tipo de política e dessa vez não deu certo.

“No Rio Grande do Sul há uma proposta de aumentar de 4% para 6% o imposto sobre a herança”

 

IHU On-Line – O que é necessário para assegurar e retomar o reequilíbrio fiscal?

Róber Iturriet Avila – O ajuste fiscal é bastante controverso na teoria econômica porque a ideia do governo é não aumentar a relação dívida/PIB. À medida que o PIB cresce menos e a dívida tem um crescimento vegetativo — ou seja, mesmo que o governo tenha equilíbrio fiscal, a dívida irá aumentar porque já tem um endividamento que vem de períodos anteriores —, a relação dívida/PIB tende a aumentar, então a opção do ajuste é bastante controversa.

No sentido oposto, se o PIB eventualmente cresce com medidas fiscais expansionistas — que é quando o governo gasta mais, e o gasto, como faz parte do PIB, estimula a economia —, a relação dívida/PIB pode eventualmente cair, mesmo com o endividamento, ou seja, o PIB teria que crescer mais que o incremento da dívida, porque o gasto do governo é uma variável pró-cíclica. Quando o governo gasta menos, sendo o PIB composto também por gastos governamentais, a relação dívida/PIB tende a aumentar e a própria arrecadação governamental cai.

Dessa forma, não é consensual essa posição, muito embora, todos reconheçamos que o ano passado foi bastante negativo na área fiscal. O governo poderia fazer outras medidas que não impactassem tanto no consumo, sobretudo. Quando o governo aumenta impostos sobre o consumo, tende a refrear mais a atividade econômica, ao passo que poderia aumentar outros tipos de tributos que impactam menos na atividade econômica, abarcando pessoas que consomem uma proporção menor da renda.

IHU On-Line – O que seria a alternativa ao ajuste?

Róber Iturriet Avila – Nesse momento, o governo aumentou, sobretudo, o Programa de Integração Social – PIS,Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins, reativou e aumentou a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – Cide — imposto sobre os combustíveis —, que estava zerada, e também aumentou a energia elétrica por fatores diversos, dentre eles, o climático. Só que, se observarmos, até por uma questão de justiça social e tributária, no Brasil, boa parte dos impostos — na verdade 51% dos impostos — incidem sobre o consumo de bens, ou seja, nos preços dos bens que compramos.

Contudo, existem outros tipos de tributação, como os sobre o patrimônio e a renda. Quando fazemos a comparação internacional do Brasil com relação à participação desses tributos, observamos, sobretudo com relação aos países desenvolvidos, que o Brasil tributa muito menos o patrimônio e a renda do que os nossos congêneres, ao passo que a tributação sobre o consumo é bastante elevada, e é justamente essa que o governo está aumentando. Como exceção, nesse mês, o governo aumentou os impostos sobre a renda e o lucro dos bancos, com o aumento da Contribuição Social do Lucro Líquido – CSLL de 15% para 20%.

Tributação do imposto sobre patrimônio

Do contrário, poderia ter ocorrido um aumento de impostos sobre o patrimônio, que na verdade até se aventou. Inclusive vem se falando de tributar mais heranças, porque no Brasil a tributação sobre heranças é bastante baixa quando comparada a outros países. No Rio Grande do Sul há uma proposta de aumentar de 4% para 6% o imposto sobre a herança, mas no Brasil a média do imposto é em torno de 4%. Em outros países, na Europa ou mesmo nos Estados Unidos, as alíquotas são muito superiores, 30%, 40%, depende do país. Por exemplo, no Reino Unido o imposto é de 40%, na França é de 32%, nos Estados Unidos é de 29%, na Alemanha, 28,5% e no Brasil é em torno de 4%, dependendo do estado.

Então, tem espaço para aumentar tributo sobre patrimônio e esse tributo impacta menos sobre a atividade econômica e é mais injusto em termos sociais, até porque o Brasil tem uma elevada concentração de riqueza. Assim, seria possível adotar esse tipo de medida ou também tributar dividendos, porque o Brasil é um dos únicos países no mundo que não tributa os dividendos. Os acionistas recebem remunerações das empresas, como a participação dos lucros, e essa remuneração é isenta do Imposto de Renda. Em outros países essa remuneração é taxada: na Dinamarca, 42%, na França, 38%, na Alemanha, 26%, na Bélgica, 25% e no Brasil é 0%.

Existe a possibilidade de aumentar esse imposto. Os empresários, ao contrário do que dizem, pagam menos impostos do que, por exemplo, um trabalhador com renda um pouco mais alta, que é acima de 4 mil reais e que paga na faixa de 27,5%. Um empresário paga menos e a alíquota sobre dividendos é zero. Portanto, poderia ter sido feito esse tipo de medida, que teria um impacto social relevante e também um impacto fiscal bom sem afetar tanto a atividade econômica.

Mesmo a maior progressão do imposto de renda de pessoa física, também no comparativo internacional, o Brasil é um dos países que tem as alíquotas de imposto de renda mais baixas, que giram em torno de 27,5%, por exemplo. Mesmo nos Estados Unidos, que é um país liberal, a máxima é 39%. Os países com tributação mais progressiva, por exemplo, na Suécia, que é um caso extremo, a alíquota é de 57,2%. Então, isso tem um impacto social importante.

 

 

 

 

“O Brasil é um país relativamente pobre, e é por isso que temos tantas dificuldades no setor público como também na vida privada”

IHU On-Line – Que critérios deveriam ser adotados para tributar as heranças? Qual deve ser o valor de uma herança e de uma fortuna para serem taxadas?

Róber Iturriet Avila – Sobre heranças, existe uma tributação que é estipulada pelos estados. Nesse caso, esse imposto já existe, bastaria reajustar ou, então, conforme se cogitou, federalizar esse imposto, que é arrecadado pelos estados, também com uma participação para os municípios. Para efetivar isso, basta passar pelo Congresso ou pelas Assembleias Legislativas estaduais, que é o que vai acontecer no Rio Grande do Sul: o governador Sartoripassou agora um projeto propondo para a Assembleia o aumento desse tributo. Uma alternativa é constituir um imposto federal, que é um imposto que se paga quando houver transmissão de bens, de herança ou de doações — às vezes acontece de ter doação de mãe ou de pai para filho. Nesse caso, o tributo gira em torno de 4% no Brasil e no estado é de 3%.

Imposto sobre fortunas

imposto sobre grandes fortunas é um pouco mais complexo porque já existe na Constituição, só que nunca foi regulamentado. É um pouco mais complicado porque seria um imposto anual, ou seja, seria feito um pagamento sobre o patrimônio, que é de difícil estimação; além disso, entra aquela questão de “o que é grande fortuna?”. Quem definiria isso seria o Congresso. Existem alguns projetos de imposto sobre grandes fortunas: o próprio Fernando Henrique tem um projeto, a Luciana Genro também tem um projeto de lei que nunca foi votado, um estipulando 50 milhões, outro, 2 milhões.

Enfim, é algo bastante subjetivo o que seria uma grande fortuna. Isso teria de ser definido politicamente, mas se pegarmos as declarações de imposto de renda no Brasil, apenas 0,2% da população tem um patrimônio superior a 1,5 milhão declarado. Então, se fizesse a taxação sobre 2 milhões, já abarcaria um público relativamente restrito, muito embora haja subestimação do patrimônio nos dados da receita, não tenho dúvidas disso. Mas, de toda forma, são os dados de que dispomos; então, em torno de 0,2%, 0,1% da população pagaria esse imposto.

IHU On-Line – Como o senhor analisa o quanto o Estado arrecada e quanto gasta? O Brasil arrecada o suficiente para o que necessita gastar?

Róber Iturriet Avila – Essa é uma questão bastante relevante. É claro, vou analisar aqui as três esferas de governo, que é mais fácil: estados, municípios e União. A própria Constituição brasileira institui uma série de direitos legais, de direitos de educação, de saúde, de previdência e de seguridade social, que não percebemos no dia a dia, mas que nos beneficiamos constantemente. Isso, evidentemente, custa caro. Quando vemos, de fato, o que o governo arrecada e onde ele gasta, observamos que, embora seja necessária e importante a reclamação da população, no fundo há uma grande desinformação de como e quanto o governo capta, e existe uma impressão generalizada de que é excessivo.

Arrecadação X Gasto

carga tributária no Brasil hoje é de 36% do PIB, ou seja, de tudo aquilo que produzimos, 36% fica com as três esferas governamentais. Desses 36%, 4% são para a saúde, em torno de 6,6% para a educação (nas três esferas), e aí já foi 10,6%. Gastamos também, dependendo do ano — isso oscila um pouco mais —, em torno de 15% com Previdência, porque quando pegamos esses 36%, estamos levando em consideração também INSSIPE no Rio Grande do Sul, e outros, que é a contribuição para aposentadoria, que entra de um lado e sai do outro com as aposentadorias e pensões. Então somando isso, já temos 25,6% só em saúde, educação e previdência, que são os três principais.

Depois, e esse é o problema, como temos um endividamento, que não é baixo, e também uma taxa de juros muito alta, gastamos em torno de 5,5% da arrecadação ou de toda tributação em juros da dívida pública; é mais do que gastamos em saúde, portanto trata-se de um valor que não é nenhum pouco desconsiderável. Somando esses quatro elementos, já foi 31,1% da carga tributária e aí o resto é mais dissolvido: para Defesa, o Judiciário, o Legislativo, para a transferência de renda e a assistência social, soma-se apenas 1%. Fechamos um cálculo de 32% e o resto é diluído por diversos tipos de gastos que o governo tem: subsídios para a produção de alimentos, distribuição de energia, saneamento básico, para crédito imobiliário que é subsidiado.

Evidentemente, com certeza, as esferas governamentais sempre podem enxugar ou gerir de forma mais austera os recursos públicos. Há casos de desvios, mas olhando os dados cruamente, como falei, gastamos basicamente em educação, saúde e previdência; é para aí que vai boa parte dos recursos. Só que quando observamos que o Brasil é um país em que a renda per capita é em torno de 2.200,00 reais e 36% disso é em torno de 800,00 reais, que é quanto de fato cada cidadão contribui em média para o Estado, então, quer dizer, não é tanto assim. Qual o plano de saúde, educação privada, previdência privada, somando tudo, que vai custar R$ 820,00, sem considerar calçamento, energia, luz de postes? Não dá, é pouco recurso. Na verdade o Brasil é um país relativamente pobre, e é por isso que temos tantas dificuldades no setor público como também na vida privada.

Brasil: um país de renda média

É bastante justo quando fazem um comparativo com países ricos, porque o país rico que tem uma carga tributária semelhante, mas, por ser rico, o nível de renda per capita é maior. Evidentemente que com a arrecadação do governo de outros países, com uma renda per capita maior, a mesma alíquota gera um recurso monetário muito superior e por isso os serviços públicos nesses países são melhores; é uma questão de proporção. O Brasil é um país de renda média, não é pobre, miserável, mas está longe de ser rico, e por isso os serviços de educação e saúde também são de nível médio, condizente com nosso estágio de desenvolvimento. Então, não me assombro tanto assim. Há umadesinformação da população quando reclamam. É óbvio que a população tem razão de reclamar do serviço público, mas contribuímos pouco, na verdade, para que o Estado ofereça e garanta melhores serviços, porque nós temos uma renda média baixa, então não poderia ser diferente.

“Temos um problema crônico de desenvolvimento econômico e social e isso rebate em todas as facetas da sociedade, inclusive no Estado”

IHU On-Line – O problema pode ser resumido aos baixos salários?

Róber Iturriet Avila – Sim. Mas é um nível do nosso estágio de desenvolvimento que é proporcional também, mas simplificando seria isso. Colocando de uma forma mais ampla, é porque nosso estágio de desenvolvimento ainda não é elevado. Vemos nas grandes cidades, principalmente Rio de Janeiro, São Paulo, em cidades nordestinas, que há muitos miseráveis, enfim, temos um problema crônico de desenvolvimento econômico e social e isso rebate em todas as facetas da sociedade, inclusive no Estado.

Na verdade o Brasil tem em torno de 10% da população que realmente tem um nível de vida muito bom, muito alto, inclusive o 1% mais rico tem uma vida comparável com qualquer país europeu, mas os demais têm um nível de vida bem inferior. Nós temos um problema social de desigualdade e desenvolvimento que ainda não está solucionado, muito longe disso.

IHU On-Line – Qual a saída para solucionar a questão do desenvolvimento no país? Nos governos Lula e Dilma se tentou fazer o que ficou conhecido como neodesenvolvimentismo, mas parece que agora esse modelo chegou ao fim, ou ao menos dá sinais de desgaste. O que é necessário? Mais Estado, menos Estado? O que seria uma via para garantir o desenvolvimento do Brasil sanando inclusive os problemas sociais?

Róber Iturriet Avila – Essa também é uma discussão bastante complexa e controvertida e não consensual. Existem diversas estratégias de desenvolvimento que foram acumuladas tanto pelo processo histórico como pela própria Ciência Econômica e Ciências Sociais de uma forma geral, mas podemos resumir em dois blocos de estratégia, que são os que você mencionou: o desenvolvimentismo e um processo de redução do Estado, que é o liberalismo. Não há consenso de qual é o melhor rumo.

A bonança passou

Nos governos Dilma e Lula houve um ensaio desenvolvimentista, não que tenha sido de fato ou efetivamente desenvolvimentista. O que seria esse desenvolvimentismo? É uma ação do Estado via estatais, política industrial, fiscal ou até mesmo monetária ou cambial para tentar incentivar a economia, por meio de uma série de medidas: o próprio financiamento via BNDES, a política do pré-sal de tentar chamar as plataformas para serem construídas no Brasil através do financiamento estatal, e outras medidas como incentivos para o setor automobilístico. Então, houve esse ensaio desenvolvimentista, um período de sucesso bastante inquestionável, que foi um período de crescimento econômico, distribuição da riqueza, crescimento da renda, redução do desemprego, aumento das reservas internacionais. Mas esse período com certeza ficou para trás, e a bonança passou. Podemos dizer que até 2011 ela durou, mas em 2012 e 2013 havia uma perspectiva de que retomasse e, em 2014, ficou claro que havia passado.

A estratégia que será tomada é uma definição política ideológica. Eu estou mais alinhado com o desenvolvimentismo. A outra estratégia seria reduzir a ação do Estado, deixar o livre comércio e o mercado funcionarem esperando que se tenha uma resposta. Não acredito nessa estratégia porque historicamente os países desenvolvidos não chegaram ao desenvolvimento dessa maneira, e os países que são liberais hoje, como a Inglaterra e os Estados Unidos, não se desenvolveram através do liberalismo, eles fizeram políticas de intervenção do Estado com proteção às empresas, incentivo creditício e fiscal para que houvesse o desenvolvimento das empresas e, por consequência, de emprego, renda e tudo que vier na sequência.

Indefinição

A Dilma venceu as eleições do ano passado com essa proposta mais intervencionista do Estado, mas o ensaio desenvolvimentista está ficando para trás por uma série de questões, como a Lava Jato, que desestruturou a política da Petrobras e das empresas correlatas, assim como a ofensiva dos liberais na política, que querem desmanchar essa estratégia de desenvolvimento, inclusive questionando os créditos que o BNDES está concedendo. Estamos num momento de indefinição da estratégia que será tomada pelo governo daqui para frente. Não sabemos o que irá acontecer, quais serão as estratégias adotadas, mas parece que se caminha para um modelo liberal.

IHU On-Line – O que faz com que o desenvolvimento nos países ricos seja diferente do desenvolvimento brasileiro, considerando que esses países também adotaram políticas de Estado, como o senhor mencionou?

Róber Iturriet Avila – Essa é uma questão extremamente complexa e não é apenas um fator ou outro que a explica, mas há uma série de questões. Tentando simplificar a resposta, o que faz o desenvolvimento é a produção capitalista e o empreendimento capitalista dentro dos marcos institucionais do capitalismo, que é nosso modo de produção. O que traz desenvolvimento são os empresários produzindo, trazendo investimentos novos, tecnologias de investimento em Ciência; é isso que traz o progresso.

Esses países desenvolvidos têm mais capital, mais empresas. Se pensarmos quais são as grandes multinacionais brasileiras, veremos que são pouquíssimas. Quais são as grandes multinacionais americanas? Diversas. Quais são as grandes multinacionais japonesas e alemãs? Existem muitas. São as empresas que fazem o processo de desenvolvimento andar. Claro que, historicamente, o Estado sempre esteve associado ao capital para que o desenvolvimento ocorresse, esse é o ponto que falei anteriormente.

Uma das questões é o próprio capital, pois nesses países ele é mais desenvolvido, tem mais riqueza, os empreendimentos são mais antigos e isso gerou um processo de desenvolvimento com crescimento também das universidades, da tecnologia, as empresas ficaram grandes, elas têm capacidade de competição internacional, então elas abarcam mercados cada vez maiores.

Se pensarmos no Brasil, é possível perceber uma história triste porque tivemos 388 anos de escravidão e, além disso, uma pequena fração da população de Portugal veio para cá não para produzir empresas, mas para captar o incipiente comercial através da mão de obra escrava. Também os índios foram praticamente exterminados, e isso fez a nossa cultura. E, quando o Brasil começou, de fato, a engrenar no desenvolvimento capitalista — em 1930 com o crescimento da indústria —, nós estávamos em um nível bastante atrasado com relação aos países desenvolvidos. Com relação aos Estados Unidos, por exemplo, aconteceu o contrário: os ingleses foram para lá para construir um país, enquanto os portugueses que vieram para cá, vieram explorar o país. A nossa própria história ajuda a explicar o nosso desenvolvimento e não há como fugir do passado, porque somos reflexo do passado.

Mas os grandes empresários brasileiros também são um pouco tímidos, boa parte dos bens que consumimos é de empresas estrangeiras. É por isso que somos relativamente mais pobres, porque as empresas que ficam com boa parte da riqueza, de forma geral, não são nacionais.

“Não há nada de positivo pela frente, os próximos anos devem ser mais difíceis do que os que passaram”

 

 

 

 

IHU On-Line – Que leitura faz da aprovação das MPs 665 e 664? Elas foram instituídas para reparar irregularidades na Previdência e no Seguro Desemprego ou como parte do ajuste fiscal?

Róber Iturriet Avila – Sem dúvida são polêmicas. Na mesma linha do que estava falando anteriormente, que a gestão do segundo governo Dilma está sendo bem diferente do primeiro. Esse tipo de medida não ocorreria no primeiro mandato de Dilma, que tinha um caráter um pouco distinto, e essa mudança vem justamente do Ministro da Fazenda, que tem uma posição mais liberal.

Essas MPs fazem parte do ajuste na margem social e política do Executivo, que são os trabalhadores, por isso tanta polêmica. Agora, olhando de forma um pouco fria, no Brasil há problemas na questão das pensões: as concessões de pensões no país são muito benevolentes, quase sem paralelo internacional, algo que poderia corrigir.

Acredito que nas pensões realmente é preciso mexer; agora, existem outras formas de fazer ajuste cobrando um pouco mais de quem pode contribuir mais e não de quem será penalizado nesse processo de restrição, que são os próprios trabalhadores. Poderia ter aumentado, como falei, os impostos sobre heranças, patrimônio e renda, que teria um resultado maior, inclusive, e um impacto social mais coerente com a própria eleição que foi definida.

IHU On-Line – Quais as expectativas para continuidade do desenvolvimento da economia brasileira?

Róber Iturriet Avila – Estamos em um cenário bastante negativo, porque a perspectiva de crescimento econômico neste ano é negativa, para o próximo ano talvez seja negativa também ou zero. As medidas do governo que estão vindo em um sentido de aprofundar esse processo com corte de gastos, como falei antes, geram um processo de recessão. O aumento da taxa de juros também freia a economia.

Existiam duas saídas. Uma delas seria a inserção da Petrobras e os investimentos em infraestrutura, mas a Operação Lava Jato está dinamitando completamente essas possibilidades, porque as próprias grandes empreiteiras no Brasil estão em xeque, algumas pedindo concordata. Enfim, estamos em uma situação muito delicada.

Outra saída seria intensificar as relações comerciais, mas o cenário internacional também está negativo, os preços dos produtos que exportamos estão caindo, as economias centrais, a exemplo dos Estados Unidos, ensaiaram uma retomada que também naufragou, a Europa está em uma situação dramática, a China, que era nosso principal parceiro, está desacelerando também com bastante intensidade. Além disso, nossos parceiros comerciais próximos, como ArgentinaUruguaiParaguai e Chile, também estão desacelerando. Desse modo, não há nada de positivo pela frente, os próximos anos devem ser mais difíceis do que os que passaram, pelo menos teremos uns dois anos de dificuldades.

Por Patrícia Fachin

* artigo extraído do site http://www.ihu.unisinos.br

Instituto Justiça Fiscal participa de reunião na ONU

Instituto Justiça Fiscal participa de reunião do Subcomitê de Assuntos Tributários da Indústria Extrativa para Países em Desenvolvimento da ONU em abril de 2015, em NY

ONU

A convite da Red Latinoamericana sobre Deuda, Desarrollo y Derechos (Latindadd), o IJF participou da reunião dos membros do Subcomitê de Assuntos Tributários da Indústria Extrativa para Países em Desenvolvimento, realizado nos dias 20 e 21 de abril, na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), na cidade de Nova York.

A tributação das indústrias extrativas, que vem ganhando importância nos últimos anos, converteu-se em prioridade para a ONU, especialmente para o Comitê sobre Cooperação Internacional em Assuntos Tributários que, em sua nona reunião anual, decidiu criar o Subcomitê de Assuntos Tributários da Indústria Extrativa para Países em Desenvolvimento.

Este subcomitê está integrado por representantes de administrações tributárias, do setor privado, incluindo empresas petrolíferas e mineradoras, por instituições acadêmicas e organizações internacionais, além dos membros do próprio comitê tributário. O objetivo de sua criação foi o de examinar e propor diretrizes aos países em desenvolvimento relativas à tributação do setor extrativo.

Predio ONU

A primeira reunião do subcomitê ocorreu em maio de 2014 na cidade de Johannesburgo, África do Sul, e a segunda em Arusha, na Tanzânia, em agosto deste mesmo ano. Nesta segunda reunião originaram-se os primeiros esboços de documentos sobre temas como taxação de ganhos de capital em vendas de ativos, tributação sobre valor agregado, tratamento tributário para casos de encerramento de atividades extrativas, tratados tributários, bem como programada elaboração de documentos sobre negociação de contratos, danos ambientais, acordos de dupla tributação, incentivos fiscais, manipulação de preços nas exportações e importações, entre outros, todos aplicados a indústria extrativa.

Na terceira reunião, em Nova York, além do debate sobre o material já produzido e delineamento de outros documentos, foram reservados dois espaços para apresentações sobre a tributação no setor extrativo, um do ponto de vista das organizações sociais e outro do setor privado.

 

Reuniao

Para o IJF, que apresentou o ponto de vista das organizações sociais, o setor extrativo diferencia-se, em alguns aspectos, de outros, especialmente por utilizar-se de matéria-prima não renovável e que pertence à sociedade. Além disso, é conformado pela utilização de um elevado investimento e de estruturas pesadas, tendo longos períodos de produção. Mas, ao mesmo tempo, as empresas que atuam no setor têm um potencial de ganhos marcantes a partir do retorno dos investimentos e um poder substancial sobre os mercados, o que muitas vezes leva a uma relação extremamente assimétrica com os países em desenvolvimento.

Por outro lado, o setor extrativo é similar a outros dominados por empresas multinacionais, onde os avanços em tecnologia, transporte e comunicação, juntamente com alta mobilidade de capital e regras tributárias que não acompanham estas transformações, aumentam a possibilidade de evasão fiscal, de manipulação de preços nas importações e exportações, de celebração de acordos bilaterais (desfavoráveis aos países em desenvolvimento) e arranjos comerciais duvidosos. Ademais, as administrações tributárias dos países em desenvolvimento não possuem, regra geral, conhecimento e tecnologia suficientes para lidar com isso, e as normas de taxação do setor são fracas ou mesmo inexistentes.

O risco potencial é muito grande e os desafios também. Os países em desenvolvimento precisam buscar o equilíbrio entre a atração de investimentos e a preservação dos interesses da sociedade.

A política de benefícios fiscais, incluídos os contratos de estabilidade com as empresas extrativas, a quebra de regras fiscais, a depreciação acelerada e a livre movimentação de capital abriram as portas para que as grandes empresas diminuíssem, em muito, o pagamento de tributos. Por isso, foram apresentadas algumas propostas para reduzir a evasão e a elisão tributárias no setor, como maior transparência nos dados contábeis, utilização dos preços internacionais em operações realizadas entre companhias vinculadas ou localizadas em paraísos fiscais, a não utilização dos acordos de tributação como mecanismo de evasão fiscal, utilização de regras para diminuir o pagamento desserviços e juros em operações entre empresas vinculadas e estabelecer uma taxação sobre as exportações, prevenindo a erosão das bases tributárias.

Sala de Conferencia

A reunião, segundo a Vice-Presidente do IJF, Maria Regina Paiva Duarte, foi bastante produtiva: “Não podemos deixar de participar de um encontro desta natureza, que reuniu diversos especialistas da sociedade civil, de administrações tributárias, da própria ONU, para debater a tributação na indústria extrativa e propor alternativas de enfrentamento da questão, especialmente porque os recursos obtidos poderiam ser uma excelente fonte de investimento para os países em desenvolvimento”.

“Talvez, no futuro, possamos ter uma tributação supranacional, aplicada a todos os países, que funcionaria como um mecanismo para controlar a fuga de capitais, tributando os lucros de forma global, com critérios definidos de forma equilibrada e justa”, disse ela.

Ciclo de debates sobre a Reforma Política

0-4.docxO Instituto Justiça Fiscal (IJF), juntamente com o Diretório Acadêmico das Faculdades de Economia e Contabilidade da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (DAECA/UFRGS) promoveu um Ciclo de Debates sobre a Reforma Política. Os três encontros ocorreram na sede do DAECA nos dias 6, 14 e 22 de abril, das 18h15min até às 20 h, e contaram com a presença de vários estudantes. O primeiro dia do Ciclo foi dedicado ao tema do financiamento das campanhas eleitorais. Os palestrantes Dão Real e Moisés Lima fizeram a apresentação do sistema Donos do Congresso (www.donosdocongresso.com.br) e discutiram os efeitos do financiamento privado das campanhas eleitorais, especialmente no que se refere à captura do sistema político para o atendimento preponderante de interesses privados setoriais. Outro tópico que foi bastante debatido neste encontro foi referente a enorme desigualdade entre os candidatos que esta forma de financiamento promove, na medida em que mais de 90% dos recursos ficam disponíveis para menos de 20% dos candidatos.

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O segundo encontro, no dia 14 de abril, foi conduzido por Marcelo Ramos Oliveira, do IJF, e teve como convidado Rodrigo Stumpf González, professor adjunto do Departamento de Ciência Política da UFRGS, que possui larga experiência na área da Ciência Política e atua principalmente nos temas democracia, participação, políticas públicas e recursos humanos. Gonzaléa proferiu palestra sobre os diferentes modelos de sistemas políticos representativos que têm sido propostos, apontando, para cada um deles, seus pontos positivos e negativos. Apresentou também algumas comparações com modelos existentes em outros países, salientando que não existe sistema político que possa atender a todos os requisitos e se adapte perfeitamente a cada país, ou seja, não existe o sistema político representativo perfeito.

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No terceiro encontro, ocorrido no dia 22 de abril, o professor titular de Sociologia do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFRSG, Antonio David Cattani, fez uma palestra sobre o processo de financeirização da economia internacional e seus efeitos sobre as organizações dos países. Cattani chamou a atenção dos presentes para as várias formas utilizadas pelos detentores de capitais para não serem alcançados pelas regras tributárias estabelecidas pelos países. Em especial, a utilização dos serviços oferecidos pelos países denominados paraísos fiscais, que nada mais são do que esconderijos.

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Privilégios de sonegador

Dão Real Pereira dos Santos *
O escândalo da corrupção no Carf (Operação Zelotes) apenas revela a existência de mais um dos grandes entraves à efetividade da justiça fiscal, na medida em que escancara a fragilidade estrutural do referido conselho, composto de forma paritária por auditores fiscais da Receita Federal e por representantes dos contribuintes, advogados tributaristas normalmente vinculados a escritórios especializados na defesa de contribuintes autuados.
A Polícia Federal iniciou a Operação Zelotes para desarticular grupos criminosos
A PF iniciou a Operação Zelotes para desarticular grupos criminosos que atuavam junto ao Carf
Foto: Polícia Federal de Brasília

Quando se fala em justiça fiscal logo pensamos nas injustiças do sistema tributário, na regressividade da carga tributária e nas conjunturas políticas e sociais que reproduzem esse modelo. Associamos sempre o tema à ideia de que o sistema fiscal só seria justo quando cobrasse mais de quem tem mais e menos de quem tem menos e devolvesse mais para quem tem menos e menos para quem tem mais, cumprindo, assim, sua função de instrumento para a redução das desigualdades.

Normalmente não nos lembramos da administração tributária, das estruturas de julgamento do contencioso e das estruturas de cobrança dos créditos tributários, também recheadas de instrumentos moldados para agravar a injustiça fiscal inerente ao próprio sistema. As precariedades estruturais das administrações tributárias e das estruturas de cobrança dos créditos tributários, somadas à exacerbação dos instrumentos disponibilizados aos devedores para contestação do direito e dever que tem o Estado de buscar a recuperação dos tributos, são fatores que potencializam a injustiça na medida em que concorrem para facilitar e estimular a sonegação especialmente das classes que já são menos tributadas.

A distribuição de privilégios aos ricos, portanto, não se restringe a uma tributação inexpressiva sobre o patrimônio, a riqueza e a renda do capital, em detrimento dos mais pobres, onerados por uma elevada tributação sobre o consumo, mas também se reflete num conjunto de elementos estruturais que proporcionam um sem-número de caminhos para que as classes mais ricas possam ainda escapar da pouca tributação que lhes cabe.

A composição do estoque de contencioso administrativo existente no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) é bastante reveladora do que dissemos acima. Dos cerca de R$ 500 bilhões em autuações feitas pela Receita Federal, que correspondem a aproximadamente 120 mil processos, 67% referem-se a apenas 0,7% do total de processos. Esse dado revela que dois terços do valor que está sendo discutido no Carf são de grandes empresas, pois são autuações com valores superiores a R$ 100 milhões.

O Carf, a que estamos nos referindo, é exatamente aquele órgão vinculado ao Ministério da Fazenda que tem a competência de julgar as autuações feitas pela Receita Federal e vem sendo objeto de investigação pela Operação Zelotes. Só para relembrar, essa investigação conduzida pela Polícia Federal e pela Receita Federal está revelando a existência de um esquema de corrupção cujo objetivo era inviabilizar justamente algumas dessas autuações mais expressivas.

O quadro acima mostra que quase 84% dos processos referem-se a autuações de valores inferiores a R$ 100 mil, cujo valor representa menos de 2% do estoque total que está sendo discutido. Cerca de R$ 350 bilhões é o valor que corresponde aos tributos sonegados pelas grandes empresas (valores superiores a R$ 100 milhões), acrescido das respectivas multas. Esses maiores devedores do fisco pertencem exatamente àquelas classes mais beneficiadas pela regressividade do sistema tributário. Ou seja, além de menos tributados que as classes mais pobres, são os que sonegam os maiores valores.

Interessante observar também que o próprio estoque de cerca de R$ 500 bilhões sendo discutido já é algo absolutamente alarmante, se consideramos que são valores constituídos por processos de fiscalização da RFB, ou seja, reconhecidos pela administração tributária como devidos e não pagos pelos contribuintes, após um longo processo investigatório realizado pela fiscalização tributária. Esse montante corresponde a uma amostra do que é realmente sonegado no país.

Para ter uma ideia mais clara do significado da sonegação, é bom lembrar que de acordo com o governo, o Orçamento de 2015 destinará R$ 109,2 bilhões para a saúde, 8,8% a mais em relação ao previsto para 2014 (R$ 100,3 bilhões). Além da saúde, o Executivo estabeleceu como prioridades em investimentos a educação (com R$ 101,3 bilhões) e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com R$ 65 bilhões – aí incluídos R$ 19,3 bilhões para o Programa Minha Casa, Minha Vida. Outros R$ 33,1 bilhões serão reservados para programas sociais do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, como o Bolsa Família (R$ 27,1 bilhões). Se metade do que está sendo discutido no Carf fosse pago, daria praticamente para dobrar o valor destinado em 2015 para saude, educação e PAC.

A sonegação tributária constitui, portanto, um dos crimes mais danosos à sociedade, na medida em que desvia os recursos públicos antes mesmo de serem arrecadados. Infelizmente, não vem sendo tratada com a dimensão que tem. Segundo o presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), Heráclio Camargo, a sonegação estimada em 2014 foi de aproximadamente R$ 500 bilhões. Como já dissemos, a composição dos valores que estão sendo discutidos no Carf demonstra que a maior parte do que se deixa de arrecadar vem das maiores empresas.

Além de uma conjuntura favorável em termos de tributação, esses grandes sonegadores encontram à disposição uma infinidade de alternativas para frustrar a pretensão do Estado de efetivar as cobranças. Àqueles que são alcançados pelo fisco são concedidas duas ou três instâncias administrativas de defesa. Se mantidos os lançamentos, ainda dispõem de todas as instâncias na esfera judicial, diferentemente da Fazenda, que, perdendo, não tem como recorrer ao Judiciário. Não logrando êxito, sendo totalmente mantidos os lançamentos, apesar de todos essas possibilidades de serem derrubados, às vezes mais de dez anos depois de lançados, eles têm ainda a seu favor a baixa capacidade do Estado para efetivar a cobrança e a execução das dívidas tributárias, sobretudo pela dificuldade de identificação de ativos capazes de garantir os créditos. Em 2013, o estoque da dívida ativa da União já era superior a R$ 1,2 trilhão.

Como se não bastasse, frequentemente são concedidos tratamentos privilegiados aos devedores na forma de parcelamentos de longo prazo e, muitas vezes, perdão de parte ou de todas as penalidades (Refis, Paes, Paex), configurando-se um claro estímulo à sonegação.

Somando-se a esse conjunto de privilégios, a punibilidade na esfera penal, em caso de conduta tipificada como crime tributário, fica totalmente afastada se houver o pagamento ou enquanto o sonegador estiver inserido em algum programa de parcelamento, diferentemente de qualquer outro crime praticado contra o patrimônio privado, cuja reparação não tem o condão de afastar a responsabilidade criminal – quando muito, apenas atenuá-la.
Ou seja, as classes mais ricas não são somente menos tributadas que as mais pobres. Também dispõem de inúmeros mecanismos estruturais, jurídicos e legais para escapar à pretensão arrecadadora do Estado, mesmo quando são autuadas.

O escândalo da corrupção no Carf (Operação Zelotes) apenas revela a existência de mais um dos grandes entraves à efetividade da justiça fiscal, na medida em que escancara a fragilidade estrutural do referido conselho, composto de forma paritária por auditores fiscais da Receita Federal e por representantes dos contribuintes, advogados tributaristas normalmente vinculados a escritórios especializados na defesa de contribuintes autuados.

A construção de uma sociedade mais justa passa não apenas pelo aperfeiçoamento da legislação fiscal para garantir maior progressividade na forma de tributar, mas também pelo fortalecimento das instituições públicas que têm por atribuição administrar, julgar e cobrar tributos.

* Dão Real Pereira dos Santos é membro do Instituto Justiça Fiscal (IJF)

** Artigo publicado no site www.teoriaedebate.org.br

Isenção de IR para lucros e dividendos e a “pejotização” no Brasil

Já discutimos que os pobres pagam relativamente mais impostos do que os ricos no Brasil e a causa para tal é uma carga tributária concentrada em impostos indiretos em detrimento de impostos diretos sobre a renda e o patrimônio.

Seguindo nesse debate, essa nota busca chamar a atenção para um tema pouco discutido, mas absolutamente fundamental: o Brasil é um dos poucos países que não tributam lucros e dividendos.

A isenção de IR para lucros e dividendos, além de poupar tributos da parcela mais rica da população, contribui para o fenômeno da “pejotização”, que constitui uma forma de burlar a legislação trabalhista.

Dissertação de mestrado de Fábio Avila de Castro (disponível AQUI) discute a progressividade do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) no Brasil.

A tabela abaixo, retirada do trabalho, mostra o perfil dos rendimentos declarados na Declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física (DIRPF) de 2006 a 2012:

quadro perfil de rendimentos

No período analisado, os rendimentos tributáveis cresceram R$ 552,9 bilhões (86,72%) entre 2006 e 2012. Já os rendimentos isentos e não tributáveis cresceram 341,1 bilhões (154,34%) e os rendimentos com tributação exclusiva na fonte 125,1 bilhões (229,54%).

O autor ressalta que existem rendimentos que não entram no cômputo do rendimento bruto para fins de apuração do IRPF. Entre rendimentos isentos ou não-tributáveis, o autor destaca a categoria lucros e dividendos, que, como mostra a tabela abaixo, alcançou a quantia de R$ 207 bilhões em 2012.

A participação desta fração girou em torno de 37% do total dos rendimentos isentos para todo o período (exceto para 2007 quando foi de aproximadamente 48,7%).

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quadro rendimentos isentos

É importante notar que essa quantia de R$ 207 bilhões, se tributada, por exemplo, a 15%, somaria cerca de R$ 31 bilhões, que representariam 0,7% do PIB de 2012 (que chegou a R$ 4,403 trilhões neste ano).

O autor também destaca que, desde a aprovação de legislação isentando a distribuição dos lucros (art. 10 da Lei 9.249/95), houve migração dos profissionais prestadores de serviço da tributação da pessoa física para a tributação da pessoa jurídica, em busca de alíquotas inferiores.

Além disso, o estímulo à “pejotização” ocorre por pressão das próprias empresas, que por vezes preferem não contratar um empregado diretamente, mas como pessoa jurídica, também por questões de carga tributária.

Tal questão pode se agravar ainda mais com a aprovação da terceirização irrestrita no Brasil.

quadro tipo de tributação

Percebe-se na tabela alíquotas líquidas máximas superiores a 20% mesmo para países com renda não tão alta como é o caso do Chile. A maior alíquota máxima foi a da Finlândia (42%). Somente o México adota um sistema de imputação plena que, na prática, acaba isentando o contribuinte do imposto de renda, como ocorre no Brasil desde 1996.

O autor mostra que o Brasil arrecada pouco na base de incidência renda e lucros, mesmo em relação aos países da América Latina. A não tributação de lucros e dividendos é uma causa significativa da erosão da base tributável da pessoa física e deve ser considerada nas discussões envolvendo o IRPF.

* artigo extraído do site brasildebate.com.br

Palestra do Instituto Justiça Fiscal

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Sonegação de impostos é sete vezes maior que a corrupção

Carlos Drummond, na Carta Capital em 30/03/2015, modificado em 02/04/2015

Deixa-se de recolher 500 bilhões de reais por ano aos cofres públicos no País, ao passo que o custo anual médio da corrupção no Brasil, em valores de 2013, corresponde a 67 bilhões anuais

Nenhum assunto rivaliza com as notícias sobre corrupção na cobertura e no destaque dados pela mídia, um sinal da importância devidamente atribuída ao problema pelos cidadãos. Males de proporções maiores, porém, continuam na sombra. A sonegação de impostos, por exemplo, tem sete vezes o tamanho da corrupção, mas recebe atenção mínima da sociedade e do noticiário.

Deixa-se de recolher 500 bilhões de reais por ano aos cofres públicos no País, calcula o presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional, Heráclio Camargo. O custo anual médio da corrupção no Brasil, em valores de 2013, corresponde a 67 bilhões anuais, informa José Ricardo Roriz Coelho, diretor-titular do Departamento de Competitividade e Tecnologia Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, com base em cálculos recentes.

Para alertar a sociedade da importância de se combater a sonegação, Camargo, inaugurou na quarta-feira 18, em Brasília, um sonegômetro e uma instalação denominada lavanderia Brasil. Na inauguração, o medidor mostrava um total sonegado de 105 bilhões desde janeiro, dos quais 80 bilhões escoados por meio de operações de lavagem ou manipulação de recursos de origem ilegal para retornarem à economia formal com aparência lícita.

Em um exemplo citado pelo Sindicato, um comerciante simula a compra de 50 milhões de litros de combustível, adquire só 10 milhões de litros físicos e obtém, mediante pagamento, notas fiscais falsas no valor de 40 milhões. Ele negociou de fato só aqueles 10 milhões, mas trouxe para a economia formal os 40 milhões de origem ilícita por meio desse mecanismo de lavagem, sem recolher os impostos devidos. Tanto a parcela superfaturada, os recursos de propinas, tráfico de drogas, de armas e de pessoas, contrabando, falsificações, corrupção e renda sonegada precisam retornar à economia com aparência de origem lícita, para as atividades criminosas prosseguirem.

A livre atuação no Brasil das empresas off shores, ou registradas em paraísos fiscais, agrava a sonegação. Há laços fortes do País com esses redutos de burla dos fiscos dos estados nacionais, na prática nossos grandes parceiros comerciais. A principal razão é o tratamento preferencial dado ao capital externo, subtaxado quando da sua remessa de lucros ao exterior, afirma-se no site Tax Justice Network.

“Todos os países que não taxam ganhos de capital, ou o fazem com base em alíquota inferior a 20% são considerados paraísos fiscais no Brasil. Ironicamente, esse país tem diversas situações de ganhos de capital taxados em menos de 20%.” Não é bem assim, explica a Receita Federal. “A definição de paraíso fiscal na legislação brasileira não leva em conta apenas a tributação de ganhos de capital, mas sim a tributação da renda. A tributação da renda das pessoas físicas é de 27,5% e das pessoas jurídicas é de 25% de imposto de renda, mais 9% de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.” Mas a taxação de ganhos de capital, “em regra de 15%”, é baixa em termos mundiais e o trânsito do dinheiro é facilitado pela parceria comercial com os paraísos fiscais.

Pessoas físicas recorrem também aos paraísos fiscais para não pagar impostos sobre os seus ganhos, lícitos ou não. No caso das 8.667 contas de brasileiros descobertas no HSBC da Suíça (4.º maior número de correntistas no mundo), Camargo vê “com certeza indícios de conexão com paraíso fiscal, porque essas contas eram secretas, só vazaram porque um ex-funcionário do HSBC divulgou a sua existência. Há indícios a serem investigados pelas autoridades brasileiras, de evasão de divisas e crime de sonegação fiscal.”

Os impostos mais sonegados são o INSS, o ICMS, o imposto de renda e as contribuições sociais pagas com base nas declarações das empresas. Os impostos indiretos, embutidos nos produtos e serviços, e o Imposto de Renda retido na fonte, incidentes sobre as pessoas físicas, são impossíveis de sonegar. A pessoa jurídica cobra os tributos, mas algumas vezes não os repassa ao governo.

A sonegação acompanha a concentração de renda. Os processos envolvem 3,54 milhões de devedores, mas os chamados grandes devedores são apenas 18.728. Para dar conta dos 7,48 milhões de processos em tramitação, há só 2.072 procuradores, auxiliados por 1.518 servidores, menos de dois por procurador. O sindicato reivindica o preenchimento urgente dos 328 cargos vagos de procurador da Fazenda Nacional abertos.

Quem tem mais, deve pagar mais, estabelece a Constituição, em um preceito tão desobedecido quanto o do Imposto sobre Grandes Fortunas, à espera de regulamentação. Nesse assunto, o Brasil está na contramão. A partir de 2012, com a piora da economia e da arrecadação, países europeus que haviam concedido desonerações tributárias e cortado gastos, voltaram a aumentar o imposto de renda nas alíquotas mais altas e elevaram os impostos sobre propriedade, diz a professora Lena Lavinas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

“Aqui, não conseguimos fazer isso porque o IPTU não é arrecadado pela União, mas pelos municípios, então você não mexe na propriedade. Impostos que tratam da concentração da renda, do patrimônio, deveriam estar nas mãos da União. A reforma tributária, segundo algumas visões do Direito, é tratada como uma questão de simplificação. Não é o caso, muito pelo contrário, tem que complexificar mais, dentro de uma estrutura adequada em termos de progressividade, de taxar realmente o patrimônio, os ativos, essa coisa toda.”

A estrutura do nosso sistema tributário, diz a professora, “é uma tragédia, regressiva, picada, os impostos não vão para as mãos que deveriam ir. Por que não se consegue repensar o IVA, o ICMS? Porque são dos estados. Impostos e medidas que poderiam favorecer uma progressividade, não se consegue adotar, por conta do nosso caráter federativo.”

A sonegação é uma possibilidade aberta para as empresas pela estrutura tributária, conforme mencionado acima, e quando pegas, são beneficiadas pela discrição das autoridades. Também nesse quesito, o Brasil segue na contramão. Nos Estados Unidos, por exemplo, os próprios políticos tratam de alardear os nomes das empresas flagradas em irregularidades.

Por que o Brasil, não dá publicidade aos nomes dos grandes sonegadores, o que possivelmente contribuiria para desestimular o não recolhimento de tributos e impostos? Segundo Camargo, há divulgação, mas ela não é satisfatória. “Existe um sítio na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional que enseja a consulta dos CNPJs ou CFPs dos devedores, mas sem informar quais são os valores devidos. Não temos uma cultura de transparência no Brasil. Essas restrições são inaceitáveis e nós devemos caminhar para uma maior transparência, com a divulgação dos nomes e respectivos valores devidos.”

Disponível em http://www.cartacapital.com.br/economia/sonegacao-de-impostos-e-sete-vezes-maior-que-a-corrupcao-9109.html

REFORMA TRIBUTÁRIA – SÓ SE FOR COM JUSTIÇA FISCAL

Dão Real Pereira dos Santos*

Quando se fala em políticas públicas, normalmente não se dá a devida importância à forma como ocorre o financiamento do Estado. Este é um tema que em geral não se discute nos movimentos sociais nem nas entidades representativas das classes trabalhadoras. O único consenso que parece dominar a opinião pública sobre o tema é o tamanho da carga tributária, considerado de forma sistemática e recorrente como alta para os padrões de serviços públicos colocados à disposição da sociedade.

Parece haver uma opinião hegemônica de que o sistema tributário nacional é ruim e precisa ser reformado. Daí o velho mantra da necessidade de uma reforma tributária que nos acompanha há pelo menos 20 anos e este é um tópico que parece ser de convergência entre pobres e ricos, empresários e trabalhadores, agricultores e operários, políticos e não políticos, todos querendo reformar o sistema tributário. Parece também que são muito poucos os atores sociais que sabem exatamente que reforma tributária defendem e o que significa reformar o sistema tributário nacional.

Se a necessidade de uma reforma parece fazer convergir os interesses, o debate sobre qual reforma interessaria à sociedade, ao contrário, é sem dúvida, um debate que divide, pois tem o poder de escancarar os conflitos sociais e as lutas de classe. Talvez seja por isso mesmo que este seja um tema meio proscrito, uma espécie de assunto proibido à maioria das pessoas.

Enquanto permanecermos limitados apenas na ideia geral e consensual, sem entrar no mérito de qual reforma tributária precisamos, também não mergulhamos nestes espaços potencialmente conflituosos.

Percebe-se claramente na opinião pública um esforço para ocultar e minimizar a importância dos conflitos sociais existentes no País, que são enormemente potencializados pela desigualdade social. Daí o porquê de se evitar os debates de fundo, como por exemplo, a necessidade de tributar mais os ricos para poder tributar menos os pobres.

Os movimentos das ruas de 2013 de alguma forma demonstraram um pouco este fenômeno. No mesmo palco estavam representantes de diversas classes sociais que poderiam ser consideradas polos opostos no conflito social. Classes mais ricas unidas às classes mais pobres, cada uma com suas agendas, nem sempre muito claras, mas todas contra o Estado, sem perceber que o Estado não é causa, mas consequência do próprio conflito social. Naquele momento de explosão e de contestação generalizada, não se falava da injustiça fiscal, que é sem dúvida um dos principais fatores da desigualdade social. Aliás, pouco se falou sobre a desigualdade social.

Debater a reforma tributária, tendo em vista princípios de justiça fiscal, exige o enfrentamento destes conflitos sociais, ainda que seja através de um pacto social, que certamente não seria consensual, pois implica necessariamente um processo de redistribuição de riquezas e esse é naturalmente um tema conflituoso, quando não, explosivo.

Manter o assunto da reforma tributária apenas na ideia de que ela é necessária, sem discutir qual sistema tributário interessa, apenas reproduz, reforça e aprofunda o modelo de sistema tributário regressivo e que interessa às classes mais ricas porque lhes beneficiam, e interessa aos governos porque é de fácil administração, ainda que injusta do ponto de vista da sociedade.

Sabemos que os tributos que oneram as classes mais ricas são aqueles que incidem sobre a riqueza, o patrimônio e as rendas, considerados tributos diretos. Já os tributos que afetam mais as classes mais pobres são aqueles que são automaticamente transferidos para os preços dos produtos, especialmente para os produtos de consumo mais geral. Estes são os tributos considerados indiretos, pois são cobrados das empresas, mas quem efetivamente os paga são os consumidores.

Este segundo tipo de tributo afeta mais diretamente os mais pobres porque estes se obrigam a usar praticamente toda sua renda, ou a maior parte, no consumo, diferentemente das classes mais ricas que conseguem transformar parte de sua renda em patrimônio e riqueza.

O sistema tributário brasileiro baseia-se de forma muito expressiva na tributação indireta, ou seja, mais da metade da carga tributária é composta por tributos indiretos, que incidem sobre o consumo. A tributação sobre o patrimônio é residual, não passa de 4% da arrecadação total e a tributação sobre a renda responde com aproximadamente 20% da arrecadação e ainda assim, incide preponderantemente sobre salários e muito pouco sobre rendas do capital. Com esta configuração, não há dúvidas de que o sistema tributário é um dos principais fatores de aprofundamento da desigualdade social. O resultado é que quem ganha até dois salários mínimos gasta mais de 50% de sua renda com tributos e quem ganha acima de trinta salários não gasta mais do que 30% de sua renda com tributos.

O sistema tributário nada mais é do que compartilhar socialmente o custo do que é público. Ou seja, é simplesmente a forma de repartir entre as classes sociais o ônus de viver em sociedade e isso é muito fácil de compreender. Repartir com justiça é repartir de forma solidária. No entanto, esta simplicidade é insistentemente oculta por um tecnicismo de linguagem que não tem outra função que não a exclusão de grande parte da sociedade deste debate. É a famosa exclusão pelo discurso.

Se quisermos construir uma sociedade justa precisamos construir um sistema tributário que seja efetivamente capaz de promover a redução das desigualdades sociais e isso só se faz com a participação efetiva da sociedade.

* Membro do Instituto Justiça Fiscal

IJF – CICLO DE PALESTRAS

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Empresas recuperam em contratos até 39 vezes o valor doado a políticos

Estudo calculou relação entre financiamento a deputados petistas e contratos do Governo.

A reportagem é de GIL ALESSI, publicada pelo jornal El País, 24-03-2015.

“É política de boa vizinhança. Evidentemente quando você apoia um partido ou um candidato, no futuro eles vão procurar ajudá-lo”, afirmou o empresário Cristiano Kok, da empreiteira Engevix, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo. A empresa está envolvida no esquema de corrupção investigado pela Lava Jato, e um dos sócios está preso há mais de três meses. Os números parecem concordar com o argumento de Kok: o estudo ‘The Spoils of Victory’ (‘Despojos da Vitória’, em tradução livre), feito por pesquisadores de três universidades dos Estados Unidos, concluiu que as empresas que financiaram candidatos a deputado federal do PT nas eleições de 2006 receberam entre 14 e 39 vezes o valor doado por meio de contratos com o poder público nos anos subsequentes.

A pesquisa, publicada em 2014, cruza os dados oficiais de doações para as campanhas e os contratos obtidos pelas empresas nos anos seguintes – sem levar em conta eventuais pagamentos ilegais. Segundo os autores, não foi possível estender o estudo para Governos anteriores por falta de dados públicos confiáveis, e não foi encontrada correlação entre doações e contratos envolvendo outros partidos. “Este modelo de financiamento de campanha que favorece doadores é comum em todas as nações em desenvolvimento”, afirma Taylor Boas, professor de ciência política na Universidade de Boston e um dos autores do estudo. Para ele, isso ocorre porque nestes países o Estado de Direito tende a ser mais fraco, e o processo de orçamento público mais facilmente manipulável, assim como as licitações, ainda que nenhuma grande democracia, quer a França ou os EUA, estejam a salvo das polêmicas e escândalos envolvendo doações de campanha e influência desproporcional no processo político.

Nos países em desenvolvimento os problemas se agravam, de acordo com Boas, porque eles têm poucas leis que regulamentem as doações de campanha. “No Brasil o limite para a doação corporativa é de 2% de seu faturamento bruto anual. Isso é um valor muito alto já que estamos falando de grandes empresas”, diz. A influência das grandes empresas brasileiras, com atuação internacional em especial na América Latina e na África, não se restringe às eleições brasileiras. Segundo o cientista político, “a Odebrecht foi uma das maiores doadoras para a campanha do candidato à presidência do Panamá Ricardo Martinelli em 2011”. Após a vitória do candidato a empresa obteve “o maior contrato de obra do país até então: o metrô da Cidade do Panamá”.

Quatro investigadas pela Lava Jato estão entre as maiores doadoras das bilionárias eleições brasileiras de 2014:Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS e Queiroz Galvão. Juntas, elas injetaram 353 milhões de reais nas campanhas de dezenas de candidatos e comitês partidários de várias legendas. O ‘retorno’ do investimento não tardou: apenas nos três primeiros meses deste ano estas empresas já receberam em pagamentos diretos do Governo Federal a quantia de 142 milhões de reais.

Comportamento diferente

“As grandes empresas têm um comportamento diferente nas eleições proporcionais e nas majoritárias”, afirma o cientista político Wagner Pralon Mancuso, da Universidade de São Paulo. Segundo ele, nas majoritárias a tendência é que elas doem para todos os candidatos que têm chance de serem eleitos. “As empresas da Lava Jato, por exemplo, doaram quantias muito parecidas para o Aécio e para a Dilma”, diz. Reportagem do jornal O Estado de São Paulodeste domingo revela que o conjunto de 21 empresas investigadas pela Lava Jato foi responsável pela doação de 40% dos recursos privados destinados aos cofres do PT, PMDB e PSDB entre os anos de 2007 e 2013. Foram 321 milhões de reais para os diretório nacional do PT, 137,9 milhões de reais para o PSDB e 97,6 milhões de reais para o PMDB. Esses valores não levam em conta nem as doações feitas diretamente a candidatos, nem os recursos doados para as eleições no ano passado.

Quando se tratam de eleições para deputados federais e senadores, as empresas doam principalmente para candidatos com “capital político testado, que disputam a reeleição. Assim elas aumentam as chances de acerto”, afirmaMancuso. Esse comportamento dificulta a renovação do Congresso, já que os parlamentares que estão eleitos possuem uma base de financiadores já definida: 60% dos candidatos foram reeleitos em 2014.

Os parlamentares contam ainda com outro instrumento para beneficiar as empresas doadoras: as emendas orçamentárias, que segundo o site do Senado são uma possibilidade para que os congressistas possam “influir na alocação de recursos públicos em função de compromissos políticos que assumiram durante seu mandato”. Na prática, segundo Luciano Caparroz Santos, advogado especialista em Direito Eleitoral e um dos fundadores do Movimento Contra a Corrupção Eleitoral (MCCE), que esteve à frente do projeto da Ficha Limpa, as emendas são uma maneira de “favorecer doadores de campanha, oferecendo obras nos redutos eleitorais com a finalidade de agradar as empresas”. Cada parlamentar pode apresentar até 25 emendas totalizando 10 milhões de reais.

Um exemplo dessa prática irregular é o caso do ex-deputado federal João Caldas da Silva (PEN-AL), que foi condenado em 2014 pelo escândalo conhecido como a ‘máfia das ambulâncias’. O Ministério Público Federal alegou que Silva direcionava emendas orçamentárias para determinados municípios com o objetivo de favorecer empresários e companhias que doaram para sua campanha. Os preços eram superfaturados em até 120% com relação a valores de mercado, com prejuízos estimados em 110 milhões de reais para os cofres públicos.

Para o cientista político Mancuso, nem sempre o parlamentar precisa beneficiar explicitamente um doador. “Muitas vezes basta que ele peça vista [tempo para examinar] para atrasar um projeto de lei que prejudica os interesses de um doador”, afirma. Outra maneira apontada pelo professor é a apresentação de emendas a um determinado projeto de lei para beneficiar a empresa: “Muitas vezes o texto não foi nem escrito por ele. É comum vários deputados apresentarem a mesma emenda, igualzinha, enviada pela companhia interessada”. Tudo isso dentro da legalidade.

“Existem dois tipos de relação financeira entre doadores e políticos: um são os contratos oferecidos para uma empresa de obras públicas, e os outros são o financiamento”, afirma Mancuso. As companhias que não fazem obras “recebem [como moeda de troca] financiamento de bancos públicos”, segundo ele. A JBS, empresa do ramo de frigoríficos, foi a maior doadora das eleições no ano passado. A empresa já recebeu, desde 2005, ao menos oito bilhões de reais em empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Social, o BNDES. A empresa alimentícia nega qualquer ligação entre as doações a políticos e os financiamentos.

Um dos resultados deste modelo corporativo de financiamento e um dos pontos centrais na discussão da reforma política, é a formação de bancadas no Congresso (grupos de parlamentares que atuam no Senado e na Câmara) para favorecer os interesses de um determinado setor do mercado. Para Santos, este é outro efeito problemático das doações: “Quando alguém vota em um determinado candidato não sabe que o cara recebeu dinheiro de determinada empresa e que vai defender os interesses da companhia”. Estes dados só estarão disponíveis semanas depois do pleito, impossibilitando que o eleitor saiba exatamente quem está financiando seu deputado ou senador.

Debate e reforma política

Desde o final de 2013 o Supremo Tribunal Federal (STF) julga uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil que pede a proibição do financiamento eleitoral por empresas. Seis ministros foram favoráveis ao veto, mas a votação foi interrompida por dois pedidos de vista, de Teori Zavascki, que votou contra a proibição, e de Gilmar Mendes. Recentemente Mendes afirmou que não cabe ao Supremo legislar sobre o assunto, e que a matéria cabe ao Congresso. Nesta quarta, um grupo fez uma vigília diante do Supremo em Brasília pedindo que Mendes prossiga com o julgamento do tema.

O PT tem defendido o fim do financiamento privado de campanha, mas o presidente da Câmara, Eduardo Cunha(PMDB-RJ), já se manifestou ser contrário à extinção da modalidade. Críticos das investigações da Lava Jato tem dito que procuradores e juízes estão criminalizando doações legais de campanha. Já um dos mais importantes pilares do caso, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que aderiu ao regime de delação premiada, disse em depoimento: “Doação oficial é balela”. “Todas as doações oficiais, seja oficial ou não oficial, não é doação, é empréstimo”.

No início de fevereiro foi instalada na Casa uma comissão especial de reforma política, cuja presidência foi oferecida por Cunha ao deputado oposicionista Rodrigo Maia (DEM-RJ). O texto que irá nortear as discussões é a Proposta de Emenda à Constituição 352/2013, escrita pelo ex-deputado Cândido Vacarezza (PT-SP), que constitucionaliza o financiamento privado de campanha.

Suspeita de corrupção no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais

por Maria Regina Paiva Duarte

Em meio a investigações em curso envolvendo a empresa Petrobrás, recebemos, na última semana, informações sobre investigações no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão do Ministério da Fazenda (MF), para apurar suposto esquema de pagamento de propina para obtenção de benefícios em processos tributários.

Segundo o Coordenador do Núcleo de Combate à Corrupção no Distrito Federal, o Procurador da República Frederico Paiva, um dos responsáveis pelo caso, “há fortes indícios de pagamentos para conselheiros, por meio de escritórios de consultorias contratados por grandes empresas interessadas em reduzir débitos tributários”.

O Carf é um órgão colegiado, paritário, que tem por função julgar, em segunda instância, recursos administrativos referentes a tributos administrados pela Receita Federal, estruturado em três seções de julgamento, especializadas por matéria, cada uma composta por quatro Câmaras, divididas em três turmas de julgamento, no total de 36 colegiados.

Cada turma é composta por seis membros, designados pelo Ministro da Fazenda, com mandato de três anos: três representantes da Fazenda Nacional (auditores-fiscais da Receita Federal) e três representantes dos contribuintes, indicados pelas Confederações Empresariais e pelas Centrais Sindicais, totalizando 216 conselheiros. O voto de desempate, quando ocorre, cabe ao presidente da Turma, que é auditor-fiscal da Receita Federal.

Dessa forma, com uma estrutura única no mundo, são julgados os recursos aos autos de infração que constituíram os créditos tributários, em ambiente propício a condutas, no mínimo, suspeitas. E se há fortes indícios de irregularidades, é preciso investigar, examinar a fundo a suposta existência de corrupção no órgão. A “Operação Zelotes”, desencadeada por investigações de uma força-tarefa formada por Receita Federal, Polícia Federal, Ministério Público Federal e Corregedoria do Ministério da Fazenda está apurando desvios, a partir de 2005, que podem chegar a R$ 19 bilhões de Reais.

À parte a garantia do amplo direito de defesa, está claro que é preciso repensar a estrutura do Carf, até mesmo avaliar sua extinção. A possibilidade de compra de votos para obter a extinção de débitos com o Fisco (em apenas nove casos, de 70 investigados, teriam sido desviados R$ 6 bilhões) subtrai recursos que pertencem à sociedade. E isso em nada favorece a promoção da justiça fiscal.

A Desigualdade no Processo Eleitoral Reproduz a Desigualdade Social

Dão Real Pereira dos Santos, do IJF

Analisando os dados referentes ao financiamento das campanhas eleitorais percebe-se que há uma desigualdade abissal entre os candidatos. Os dados segregados permitem concluir que esta desigualdade tem sido determinante na definição do resultado das eleições, produzindo uma enorme assimetria em termos oportunidades e principalmente comprometendo o caráter democrático das eleições parlamentares. A concentração de renda na sociedade brasileira  repercute diretamente na desigualdade de oportunidades, pois são os mais ricos que terão melhores condições de estudo, estudarão em melhores escolas, melhores universidades e  concorrerão aos melhores cargos, o que acaba reproduzindo o modelo concentrador. No processo eleitoral ocorre o mesmo. A concentração dos recursos é que vai determinar quem serão os eleitos. A competição no processo eleitoral entre os que têm dinheiro à disposição e os que não têm é absolutamente desigual e injusta.

Comparando as eleições de 2010 com as de 2014, percebe-se um aumento geral de candidatos a deputado federal, deputado estadual e senador, de 15.132 candidatos em 2010 para 17.831 candidatos em 2014, um aumento de 18%. Os gastos de campanha, segundo as prestações de conta dos candidatos junto ao TSE, tiveram um aumento de aproximadamente 22%, de R$ 2.191.431.870,34 em 2010 para R$ 2.659.027.535,36, em 2014. O aumento dos gastos foi 4% maior que o aumento de candidatos, apesar de termos de 2010 para 2014 uma diminuição de candidatos ao senado, já que em 2014 foi ano de renovar apenas um terço daquela casa.

Nestes dois pleitos eleitorais, os candidatos eleitos representaram 9,89 % em 2010 e 8,84% em 2014, mas consumiram 55,34% e 55,07% dos recursos totais de campanha, respectivamente. Ou seja, menos de 10% do total de candidatos, que se elegeram, consumiram mais da metade de todos os recursos disponíveis para campanha.

Quando analisamos os cargos eletivos, especificamente, considerando os recursos utilizados por cada candidato, percebemos que a concentração dos recursos foi determinante na definição dos resultados. Para deputado federal, 20% dos candidatos utilizaram 91,11 % dos recursos em 2010 e 93,19% em 2014. Dos 514 candidatos eleitos, 92% em 2010 e 96% em 2014 estão neste seleto grupo dos candidatos com campanhas mais ricas. Ou seja, quase 100% dos deputados federais eleitos estão entre os que consumiram mais de 90% dos recursos de campanha. Se considerarmos apenas os 10% dos candidatos com campanhas mais ricas, percebemos que 70% dos eleitos estão neste grupo.

A desigualdade social no Brasil é extremamente alta e isso não é novidade. Apesar de estarmos no seleto grupo dos 7 maiores economias, ainda ostentamos uma posição vexatória entre os 10 países com mais desigualdade social do planeta.

A redução da desigualdade social passa necessariamente por reforma das estruturas que tendem a reproduzi-la, como por exemplo, um sistema tributário regressivo e um sistema político com super-representação das classes mais altas. O sistema eleitoral brasileiro baseado no financiamento privado de campanhas políticas tende a reproduz o modelo de desigualdade social.

Isso porque os candidatos que mais dispõe de recursos financeiros são os que terão mais chances de serem eleitos e são exatamente estes que representarão as classes que mais se beneficiam da concentração de renda, seus financiadores. Quase 60% do financiamento total das campanhas provêm de empresas. O financiamento privado dos candidatos e dos partidos nas eleições é, sem dúvida, um fator que acaba promovendo a reprodução do modelo concentrador de renda.

Observamos que a desigualdade entre os candidatos é maior ainda do que a desigualdade social do país. Se utilizarmos umas das medidas comuns de desigualdade que é a comparação entre a renda dos 10% mais ricos e dos 10% mais pobres, percebemos que esta distância é de 68 vezes no Brasil, enquanto nos EUA é de 15 vezes, e na França, de 12 vezes.

Se utilizarmos a mesma medida para comparar os candidatos, percebemos que esta distância é infinitamente maior. Para deputado federal, os 10% mais ricos utilizaram 3.325,90 vezes mais recursos que os 10% mais pobres em 2010 e 3.829,43 vezes em 2014, o que significa um aumento de 15% na concentração dos recursos. Para deputado estadual, esta relação foi de 1.516,95 e 1.613,74 vezes para os pleitos de 2010 e 2014, respectivamente, registrando aumento de 6%. Para senador, a relação passa a ser de 10.089,00 em 2010 e de 7.071,79 vezes em 2014, com redução de 29%.

Capturar

O nível de concentração de recursos é tão alto no sistema eleitoral que em 2010, 50% dos candidatos com campanhas mais ricas absorveram 99,10% dos recursos disponíveis, para deputado federal, 98,09%, para deputado estadual e 99,10% para senador. Para 2014 estes percentuais passam a ser de 99,25%, para deputado federal, 98,48% para deputado estadual e 99,27% para senador. Ou seja, a metade dos candidatos inscritos teve à disposição menos de 2% do total dos recursos disponíveis para as campanhas eleitorais.

Não há dúvidas de que a concentração dos recursos financeiros proporcionada pelo financiamento privado das campanhas produz uma enorme desigualdade de oportunidades no processo político eleitoral e isso fica evidente no resultado das eleições. Assim fica fácil compreender as razões da desigualdade social. O modelo eleitoral brasileiro é, se não o principal, um dos principais fatores de reprodução do modelo concentrador de renda do País. Como promover a redução das desigualdades se a representação política é majoritariamente representante das classes que de beneficiam da concentração de renda?

 

Quem Não Sabia?

Dão Real Pereira dos Santos

Há muito tempo que se denuncia que o financiamento privado empresarial, independentemente de ser declarado ou não, só tem servido para capturar o sistema político e colocá-lo escancaradamente a serviço dos interesses privados. Nenhum capitalista em sã consciência aplicaria seu dinheiro em alguma atividade que não trouxesse embutida alguma garantia de retorno. Os empreendimentos privados em situação de concorrência não podem se dar ao luxo de desperdiçar seus recursos em algo que não contribua para a elevação da rentabilidade do próprio capital.

Por isso, parece-me fora de propósito a surpresa que tem provocado nos meios de comunicação, a declaração do Paulo Roberto Costa, delator do esquema de corrupção na Petrobrás de que o financiamento privado de campanha política para o empresário é apenas um negócio, um empréstimo que precisa ser devolvido com juros. Ora, mas quem é que não sabia disso? De fato, o óbvio só é óbvio quando pronunciado. Já faz quase um ano que o site www.donosdocongresso.com.br vem tentando demonstrar quais são as empresas que vem comprando, com o financiamento privado das campanhas, o direito de decidir o que vai ser decidido politicamente no País.

Com o financiamento privado de campanhas eleitorais ocorre uma total distorção da própria representação política nacional. O Poder emana do Povo apenas no texto constitucional. De fato, emana do patrocinador.

Além de constituir numa forma legal de sequestrar a democracia, o financiamento privado tem funcionado também como um poderoso instrumento de exclusão política. A desigualdade de competição entre os candidatos financiados e os não financiados é brutal. Os próprios partidos políticos acabam reféns dos arrecadadores de recursos. Por outro lado, romper com esta lógica significa aceitar o caminho da marginalidade política. Ou seja, quem aceita o jogo, pode entrar no tabuleiro, mas já sabe a quem deverá servir. Quem não o aceita, não entra, logo fica fora do único e possível espaço de decisão.

São verdadeiras armadilhas que só fazem reproduzir o modelo e que precisam ser desativadas. Enquanto estivermos repetindo o mesmo processo o resultado será sempre o mesmo. Aliás, isso já fora dito por Albert Einstein há muitos anos. Na política não é diferente.

O escândalo da Petrobrás apenas joga luz neste cenário já tão conhecido, mas que não tem sido tratado da maneira como merece. Usar empresas públicas para pagar dívidas de campanha mediante contratos é apenas uma das formas de garantir retorno aos investidores. Muitas outras existem e algumas delas são por vezes até aplaudidas pela opinião pública, como a desoneração tributária de alguns setores, a distribuição de benefícios fiscais a outros, investimentos públicos dirigidos, para citar alguns exemplos. 

Seria interessante saber qual a avaliação econômica e qual expectativa de resultados que justificaram os investimentos feitos em 2014 em candidatos a deputados e senadores de 14 milhões da empresa Cosan, de 12 milhões da OAS, de 11 milhões da Gerdau, de 11 milhões do Itaú, de 10 milhões da Brasken, de 8 milhões do BMG, e assim por diante. Estes números referem-se apenas ao financiamento das candidaturas ao legislativo. Tenho curiosidade de saber como seria a prestação de contas do patrocinado? Como seriam demonstrados os resultados, até para justificar um novo financiamento no futuro?  

Este sistema político está destruindo a política. Não se salva o País sem salvar a política e, para isso, é preciso libertá-la das correntes do financiamento privado.

Por que 75% dos lucros das principais multinacionais estão alocados em apenas quatro lugares?

Na onda do livro de Thomas Piketty e das contas do HSBC reveladas pelo SwissLeacks, documentário canadense The Price We Pay afirma que o sistema fiscal global se tornou obsoleto e injusto. Estima-se que entre 10% e 15% do toda a riqueza financeira do mundo esteja fora do alcance de qualquer regulação de autoridades fiscais.

por Gabriel Brust*

— Nós jogamos de acordo com as regras e administramos os custos de forma eficiente para os acionistas.

— Ou seja, vocês minimizam os seus impostos às custas do contribuinte inglês.

— Pagamos todos os impostos exigidos no Reino Unido.

— Não estamos lhe acusando de algo ilegal, estamos lhe acusando de algo imoral.

O diálogo é de uma tarde de novembro de 2012 e se deu na Comissão de Contas Públicas do congresso britânico. De um lado, Matt Brittin, vice-presidente do Google para o Reino Unido. Do outro, Margaret Hodge, do Partido Trabalhista, presidente da comissão. Na pauta daquele dia, uma pergunta simples: por que Google, Starbucks e Amazon pagam praticamente nenhum imposto no Reino Unido? Brittin tenta, em vão, explicar como foi que o Google conseguiu pagar apenas 6 milhões de libras em impostos em um ano em que faturou cerca de 3 bilhões de libras no país.

O embate na Câmara dos Comuns se tornou emblemático de uma discussão que entra 2015 mais quente do que nunca na Europa: por que 75% dos lucros das principais multinacionais estão alocados em apenas quatro lugares — Bermudas, Suíça, Singapura e Ilhas Cayman — e não nos países onde de fato se encontram suas operações e consumidores? Estima-se que entre 10% e 15% do toda a riqueza financeira do mundo esteja fora do alcance de qualquer regulação de autoridades fiscais.

O tema da evasão de divisas ganhou fôlego não apenas com o best-seller de Thomas Piketty, O Capital no Século XXI — que propõe uma reforma fiscal de dimensão global como solução para a desigualdade crescente —, mas também com o escândalo do SwissLeacks, que expôs o que todo europeu de classe média sempre desconfiou: quem realmente ganha dinheiro por aqui trata de exportá-lo o mais rápido possível, sem precisar ir muito longe. A Suíça está do lado, de mãos dadas com outro nanico, Luxemburgo, formando uma dupla de paraísos fiscais entranhada no coração do continente.

Não bastasse o sucesso de seu livro, desde o início de fevereiro Piketty está nas telas dos cinemas como um dos entrevistados de The Price We Pay (“O Preço que Pagamos”), documentário do canadense Harold Crooks baseado no livro La Crise Fiscale Qui Vient (“A Crise Fiscal que se Aproxima”), da fiscalista quebequense Brigitte Alepin. Exibido apenas no Festival de Cinema de Toronto, no ano passado, o filme foi ressuscitado para as telas parisienses e deve estrear em outros países nas próximas semanas.

Com todas as simplificações que um filme de uma hora e meia exige, Crooks e Alepin logram traduzir um sentimento difuso que, desde a crise financeira de 2008, paira sobre os europeus na forma de desilusão. “Nós tínhamos o Estado de Bem-Estar Social sob certas circunstâncias e estas circunstâncias mudaram”, resume Angus Cameron, economista político da Universidade de Leicester, em depoimento ao documentário. “O Estado Liberal costumava ser o regime da classe média. Mas a era de ouro do Estado Liberal, que é o Estado Providência, acabou”, completa Saskia Sassen, socióloga da Universidade de Columbia, para em seguida decriptar a tal sensação difusa: “A quinta geração nascida depois da guerra está sentindo que o Contrato Social foi quebrado”.

Para entender melhor o que Cameron e Sassen querem dizer, é preciso viajar até a cabeça de um europeu de classe média, para quem os impostos são parte de um acordo claro, com algumas cláusulas simples. A principal delas: eu pago por aqueles que estão em uma situação econômica pior do que a minha, tendo a certeza de que não vou ficar na mão na hora que eu precisar. Em resumo, não é incomum ouvir europeus justificando sua enorme carga tributária com o “princípio da solidariedade”, sem nenhuma ponta de ironia ou contrariedade — algo que soa inevitavelmente ingênuo para um brasileiro.

Na França, o Imposto de Renda taxa rendimentos a partir de 9,6 mil euros por ano, sendo que o salário mínimo garante a qualquer caixa de supermercado cerca de 17 mil euros anuais. Ou seja, o princípio de que “todos pagam” obriga até mesmo quem está desempregado ou na pobreza a dar a sua contribuição para a coletividade, ainda que meramente simbólica. É precisamente neste arranjo baseado na confiança e no sacrifício individual que a evasão de divisas das grandes multinacionais cai como uma bomba.

O filme de Harold Crooks faz um passeio pelas origens dos paraísos fiscais, a partir de 1947, época em que o Império Britânico começa a se retirar de suas colônias e a capital inglesa se consolida como o centro offshore número 1 do mundo. Os banqueiros da City de Londres logo perceberam que o novo status dos antigos territórios da rainha, em especial ilhas como Jersey, Man e Cayman, possibilitaria fazer negócios a um custo fiscal ainda mais baixo. Na prática, até hoje o dinheiro “depositado” nestas ilhas segue na City.

Ou melhor, em lugar nenhum. “As Ilhas Cayman poderiam afundar no oceano que o país continuaria sendo o quarto maior centro financeiro do mundo”, ironiza o documentário. Isso porque o mercado financeiro foi o pioneiro na criação do conceito de “nuvem”, hoje utilizado para descrever o armazenamento de dados na internet.

O dinheiro está no céu, em movimento, em algum lugar. Mas os produtos, os trabalhadores e os consumidores que dão origem a ele continuam em territórios bem definidos. Em depoimento no senado americano, no ano passado, Phillip Bullock, um dos dirigentes da Apple, admitiu que algumas das subsidiárias da empresa californiana simplesmente não possuem um domicílio fiscal. A Amazon tem depósitos, escritórios, caminhões e clientes na Inglaterra, mas sua “sede” é em Luxemburgo. “O que exatamente o Google fabrica nas Bermudas?”, perguntou Margaret Hodge, no interrogatório do congresso britânico, arrancando risos do público.

Um início de solução, segundo dirigentes da OCDE, seria precisamente unificar o local em que os bens são produzidos ou onde os serviços são criados e o lugar em que os impostos são devidos — como acontece com as pequenas e médias empresas ou com qualquer “simples mortal”. Isso exigiria um esforço global rumo a novas regulamentações para as multinacionais: tornar ilegal aquilo que hoje é apenas considerado imoral.

Para Piketty, um bom começo seria a unificação da política fiscal de todos os países da Zona do Euro, ainda que isso deixe de fora os paraísos fiscais. Há poucos anos, a Irlanda ofereceu tributação baixíssima para que companhias se instalassem por lá, o que transformou Dublin e até mesmo cidades inexpressivas como Cork em sedes europeias de quase todas as grandes empresas de tecnologia: Facebook, Google, Microsoft, AirBNB. A política deu certo na geração de empregos, mas deslocou o peso dos impostos para o cidadão, que teve que pagar a conta da desoneração das multinacionais. “Não estamos dispostos a ter empregos em troca de todos os impostos que foram criados”, define uma jovem irlandesa no filme.

Piketty afirma que a ameaça à democracia vem da desigualdade que galopa em níveis estratosféricos desde os anos 70 — mesmo que a melhora do padrão vida tenha sido geral, inclusive para os mais pobres. Ainda que todos tenham casa, roupa e comida, em caso de concentração excessiva, o poder sobre as decisões políticas acabará pendendo desproporcionalmente para um dos lados: o de cima.

Da mesma forma, quando falamos de impostos, é preciso levar em conta a dimensão simbólica. É claro que seria um equívoco culpar apenas a evasão de divisas pela crise econômica que a Europa atravessa. O pior problema do continente, o desemprego, é muito mais resultado da falta de dinamismo de algumas economias do que de um Estado empobrecido. O ponto é outro: quando o cidadão comum percebe que está contribuindo mais do que Warren Buffet — o bilionário costuma ironizar o fato de que paga menos impostos do que sua secretária —, significa que o acordo fundamental foi quebrado. E então a democracia começa perigosamente a parecer uma farsa.

* Jornalista – artigo extraído do site clicrbs.com.br

Onde está o Estado?

A retórica de que o cidadão paga impostos e não recebe serviços é astuciosa. Ela vitimiza quem deveria contribuir mais para o bem-estar social, como ocorre nos países mais desenvolvidos.
Róber Iturriet Avila e Luís Felipe Gomes Larratea

Não raro há a veiculação da dissociação entre a arrecadação dos governos e o retorno de bens e serviços estatais. O intento, sistematicamente alardeado, é bem-sucedido em formar a opinião pública. Não é difícil de compreender a indignação gerada na população, sobretudo frente ao desconhecimento dos parâmetros de carga tributária e da precária informação das benfeitorias do Estado.

O obscurecimento e a naturalização das ações estatais permeiam o debate acerca da tributação. Os salários dos parlamentares e os casos de corrupção selam uma visão bem sedimentada, escamoteando as reais intenções da repetição de um mantra não verdadeiro, mas hegemônico.

Essa miragem transpassa e gera propositalmente uma cegueira coletiva, que, além de inverídica, está carregada de ideologia e atende a interesses específicos.

O Brasil é um país que oferece um sistema de saúde universal, desde a Constituição de 1988. O resultado disso pode ser observado nas taxas de mortalidade infantil e na ampliação da expectativa de vida desde então. Somos exemplo de vacinação e combate a doenças. Graças à ação do Estado a esquistossomose, a cólera e a leptospirose não são epidemias.

O Estado está na luz dos postes, nas estradas, nos calçamentos, no transporte urbano, no transporte aéreo, no recolhimento do lixo, na destinação do esgoto, na escola pública (da pré-escola ao pós-doutorado), no policiamento, na defesa territorial.

Essa é a parte mais visível. Mas há também Estado na forma de subsídios que garantem a energia elétrica, a produção de alimentos, o investimento em conhecimento, a aquisição de imóveis e o avanço técnico. Há Estado nas políticas de geração de emprego e de desenvolvimento econômico.

Ele está também na seguridade social, ou seja, nas aposentadorias, nas pensões por morte, nos seguros de maternidade e de invalidez. O Estado permite a mediação e o julgamento dos conflitos, a reclusão de malfeitores, além da própria organização das regras que nos permitem viver de forma civilizada e não no caos e na guerra como foi marcada a história humana.

Não há um dia sequer que qualquer cidadão não esbarre na ação do Estado e não se beneficie diversas vezes dela.

A carga tributária brasileira gira em torno de 36%. O PIB de 2014 deve fechar em, aproximadamente, R$ 5,155 trilhões. Isso significa que a renda per capita é de R$ 25.389,00. Nessa medida, cada brasileiro paga, em média, R$ 761,00 em impostos por mês para atender uma série de garantias legais e de reclamos sociais. Embora seja possível aprimorar a eficiência e reduzir o desperdício, para quem sabe fazer conta, salta aos olhos o óbvio: é um recurso escasso para tudo o que exigimos dos governos.

Outro jargão de senso comum é que se não fosse a corrupção, os serviços públicos seriam melhores. De acordo com a Fiesp, o País perde R$ 100 bilhões em corrupção. Ainda que esse dado não seja preciso e nem desprezível, representa apenas 1,9% do PIB. Faz falta, mas não resolve.

Em linha semelhante, o discurso de senso comum alega que os impostos servem para pagar os salários dos parlamentares. Não cabe defender o patrimonialismo e a exuberância do Congresso, de todo modo, o custo do parlamento brasileiro é de 0,19% do PIB. Já todos os funcionários dos 39 ministérios custam 1,2% do PIB.

As comparações corriqueiras com outros países também ignoram os dados. Na Noruega, por exemplo, a renda per capita é de US$ 100.818,00 e a carga tributária de 44%. Dessa maneira, cada cidadão contribui, em média, com R$ 8.800,00 mensais ao Estado. Ou seja, onze vezes mais do que o brasileiro. É lógico e racional que seus serviços públicos sejam onze vezes melhores do que os nossos.

Já nos Estados Unidos a carga tributária está em torno de 27%. Naquele país, entretanto, não há sistema de saúde pública, não há ensino superior gratuito e nem sistema de aposentadoria e pensões pelo Estado. O cidadão estadunidense que não possui seus serviços privados está à margem.

Um dos papéis do Estado é melhorar a distribuição e permitir melhores oportunidades a quem está na base da pirâmide social. Isso está ancorado na compreensão teórica de que o mercado não é plenamente eficaz em permitir oportunidades iguais a todos.

Quando se tem em conta que metade dos brasileiros recebe até R$ 1.095,00 mensais, logo se conclui que milhões de pessoas não teriam acesso algum à saúde e à educação não fosse o Estado. Ao se efetuar a conta de onde efetivamente é gasto, constata-se que 71% da arrecadação preenchem apenas três serviços: saúde, educação e previdência.

Cabe observar que a estrutura tributária brasileira está centrada no consumo e na folha de salários, juntas essas rubricas respondem por 76,26% da arrecadação. Já os impostos sobre propriedade perfazem 3,85% do total.

Convém constatar também que há segmentos da sociedade brasileira que têm índices de desenvolvimento humano equivalentes ao norueguês e não precisam da saúde pública e da educação pública, muito embora usufruam dessas nas cirurgias de alta complexidade, nos transplantes, no ensino superior e nas bolsas de pós-graduação.

Enxugar o Estado pode ameaçar a sustentabilidade de serviços basilares à vida e à dignidade humana. Pode ameaçar o direito de quem não tem condições de pagar por tais serviços e necessita da intervenção estatal para sua subsistência.

Esse tema abarca ainda a justiça social, cuja participação do Estado nos países que lideram os índices de desenvolvimento humano é equivalente à brasileira ou superior. Corrupção, parlamento e ministérios juntos representam 3,29% do PIB. Esse recurso seria suficiente para melhorar substancialmente os serviços públicos?

A retórica de que o cidadão paga impostos e não recebe serviços é astuciosa. Ela vitimiza quem deveria contribuir mais para o bem-estar social, como ocorre nos países mais desenvolvidos.

Os dados são claros e mostram que a elite brasileira contribui menos em termos tributários do que seus congêneres na maioria dos países do mundo. Ainda assim, querem reduzir o Estado. Quem vai corrigir as distorções históricas de 388 anos de escravidão que viabilizou o enriquecimento da elite brasileira? Como as raízes patriarcais serão extirpadas?  A quem interessa um Estado menor?

* artigo extraído do site brasildebate.com.br

O capital segundo Carlos Fuentes

“A estratégia de investimento social adotada por Lula e Rousseff, com a criação do Bolsa Família (um tipo de benefício familiar reservado aos mais pobres) e, principalmente, com o aumento do salário mínimo, permitiu uma redução notável da pobreza ao longo dos últimos 15 anos. Essas frágeis conquistas sociais agora estão ameaçadas por fatores internacionais que atingem gravemente a economia brasileira”, escreve Thomas Piketty, autor de O Capital no Século XXI (Intrínseca), diretor na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais e professor da Escola de Economia de Paris, em artigo publicado pelo El Pais, 04-12-2014.

Eis o artigo.

A vontade política pode ganhar o jogo apesar da maldição histórica

Em 1865, Karl Marx afirmou que foi com a leitura de Balzac que ele mais aprendeu sobre o capitalismo e o poder do dinheiro. Em 2014, tenderíamos a dizer o mesmo: basta substituir os autores e os países. Em A Vontade e a Fortuna, um magnífico afresco publicado em 2008, poucos anos antes de sua morte, Carlos Fuentes pinta um retrato edificante do capitalismo mexicano e das violências sociais e econômicas enfrentadas por seu país, a ponto de se tornar a narconação que hoje estampa as primeiras páginas dos jornais.

Também nos deparamos com personagens pitorescos, como um presidente que adota um estilo Coca-Cola de comunicação e que, afinal de contas, não é mais do que um patético inquilino do poder diante daquele, eterno, do capital, representado por um multimilionário todo-poderoso que se parece muito com o magnata das telecomunicações Carlos Slim, dono da maior fortuna do mundo. Os jovens do livro hesitam entre a resignação, o sexo e a revolução. Terminarão sendo assassinados por uma mulher bonita e ambiciosa que quer a herança deles e que não precisa da ajuda de um Vautrin para cometer seu crime, numa prova clara de que o nível de violência aumentou desde 1820. A transmissão patrimonial – objeto de desejo para todos os que estão à margem do círculo familiar privilegiado, e ao mesmo tempo uma força destrutiva da personalidade individual para todos os que pertencem a ele – se encontra no cerne da reflexão do romancista.

Vemos também a influência nefasta dos gringos, esses norte-americanos que são donos de “30% do território mexicano” e de seu capital, e fazem com que a desigualdade seja ainda um pouco mais insuportável. As relações de propriedade são sempre relações complexas, difíceis de serem organizadas de forma pacífica no âmbito de uma mesma comunidade política: nunca é fácil pagar o aluguel a um proprietário nem se chegar tranquilamente a um acordo sobre as modalidades institucionais que permeiam essa relação e sobre a continuidade de tal situação. Mas quando é um país inteiro quem paga aluguel e dividendos a outro, aquilo se torna claramente complicado. Em seguida, ocorrem frequentemente ciclos políticos intermináveis que alternam fases de ultra-liberalismo triunfante, autoritarismo e breves períodos de expropriação caótica, que desde sempre minaram o desenvolvimento da América Latina.

E, no entanto, o progresso social e democrático continua sendo possível no continente. Mais ao sul, no BrasilDilma Rousseff acaba de ser reeleita por uma pequena diferença em relação a seu oponente, graças ao voto das regiões pobres e dos setores sociais mais necessitados, que, apesar das decepções e rejeições que sofreram por parte do Partido dos Trabalhadores, continuam apegados aos avanços sociais dos quais se beneficiaram e que temiam ver suprimidos pela volta da “direita” (na realidade, o partido social-democrata, porque na América Latina quase todo o mundo se diz de esquerda, com a condição, ao menos, de que isso não custe muito caro às elites).

E, no entanto, o progresso social e democrático continua sendo possível no continente.

De fato, a estratégia de investimento social adotada por Lula e Rousseff, com a criação do Bolsa Família (um tipo de benefício familiar reservado aos mais pobres) e, principalmente, com o aumento do salário mínimo, permitiu uma redução notável da pobreza ao longo dos últimos 15 anos. Essas frágeis conquistas sociais agora estão ameaçadas por fatores internacionais que atingem gravemente a economia brasileira e a empurram para a recessão (a queda dos preços das matérias-primas, particularmente do petróleo; os riscos da política monetária norte-americana; a austeridade europeia), e sobretudo pelas enormes desigualdades que ainda prejudicam o país.

Voltamos a encontrar o peso da maldição da história da qual nos fala Carlos Fuentes. O Brasil foi o último país a abolir a escravidão, em 1888, em um momento em que os escravos ainda representavam cerca de um terço da população, e as classes favorecidas não fizeram nada para reverter essa desigualdade herdada.

A qualidade dos serviços públicos e das escolas primárias e secundárias abertas a todos continua sendo baixa. O sistema fiscal brasileiro é pesadamente retrógrado e frequentemente financia gastos públicos que também são. As classes mais pobres pagam impostos indiretos muito elevados, com taxas que chegam a 30% no caso da eletricidade, enquanto as grandes heranças pagam um imposto irrisório de 4%. As universidades públicas são gratuitas, mas beneficiam apenas uma pequena maioria privilegiada. Com Lula foram estabelecidos tímidos mecanismos de acesso preferencial às universidades para as classes mais pobres e a população negra e mestiça (o que provocou debates intermináveis sobre os problemas acarretados pela auto-declaração racial nos censos e nos documentos administrativos), mas a presença destes nas salas de aula continua sendo irrisória.

Seriam necessários muitos combates a mais para quebrar a maldição da história e mostrar que a vontade política pode ganhar da boa e da má sorte.

*Artigo extraído do site ihu.unisinos.br

Piketty aponta contradição em dados sobre desigualdade de renda no Brasil

Em setembro deste ano, pouco antes do primeiro turno das eleições, um episódio envolvendo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) acendeu o alerta vermelho no Planalto: segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), levantamento publicado anualmente pelo órgão federal, a desigualdade no Brasil havia ficado estagnada em 2013.

A reportagem é de Ruth Costas, publicada por BBC Brasil, 27-11-2014.

Poucos dias depois, no entanto, o próprio IBGE admitiu um erro de cálculo e informou que, ao contrário do que havia anunciado anteriormente, o abismo entre ricos e pobres no Brasil caiu, acompanhando a tendência verificada nos últimos anos.

Mas para o economista francês Thomas Piketty, crítico sensação do capitalismo, é possível que nada tenha mudado ou até que esteja acontecendo justamente o contrário. Em visita ao Brasil, ele fez alusão a uma pesquisa recente de especialistas da UNB – que mostra que a desigualdade não só estagnou como era maior do que se imaginava – e pediu ‘maior transparência’ sobre os dados de imposto de renda no Brasil para que, de fato, seja possível compreender a evolução da disparidade social.

Piketty é autor do polêmico best-seller Capital no século XXI. No livro, ele defende, a partir da análise de dados inéditos de 20 países, que a desigualdade de renda estaria voltando a aumentar no mundo após décadas de queda.

Para fundamentar sua tese, o economista francês usou dados anônimos obtidos a partir de declarações de Imposto de Renda (IR).

Em maio, em entrevista à BBC BrasilFacundo Alvaredo, que faz parte da equipe de Piketty, afirmou que não conseguiu analisar o caso brasileiro, pois as estatísticas sobre Imposto de Renda não haviam sido liberadas pela Receita Federal. Segundo ele, este teria sido o motivo pelo qual o país não foi retratado na obra.

Piketty está no Brasil para promover a versão em português do livro e comentou sobre os dados brasileiros durante uma palestra para estudantes e professores da Faculdade de Economia e Administração da USP.

“É só você olhar os dados (sobre a concentração da renda) nos 10% mais ricos do Brasil e dos EUA para entender porque essa transparência (dos dados) é importante”, disse Piketty na palestra.

“Se você considera essas estatísticas (da PNAD) o Brasil é menos desigual que os EUA, mas se olha os dados do imposto de renda usados pela equipe de (MarceloMedeiros (da UNB) o Brasil é mais desigual”, disse o economista.

Segundo Piketty, nenhum dos dados “é perfeito”, mas maior transparência na divulgação dessas estatísticas de renda e riqueza por parte das autoridades brasileiras “seria bom” para que os pesquisadores possam realmente compreender o que está acontecendo com a desigualdade entre ricos e pobres no Brasil.

Desigualdade maior

O trabalho da UNB mencionado por ele foi publicado em outubro deste ano e é assinado por Marcelo MedeirosPedroSouza e Fábio Castro.

Pela primeira vez, o levantamento analisa dados da Receita Federal utilizando uma metodologia desenvolvida por Pikettyem 2001 e conclui que os 5% mais ricos da população detinham 44% da renda do país em 2012 – não 35% como aponta a Pnad.

Além disso, a pesquisa diz que o coeficiente de desigualdade (Gini) teria permanecido praticamente estável de 2006 a 2012 – enquanto pela PNAD a taxa teria caído 3%.

“No que diz respeito (à renda) concentrada nos 10% mais ricos da população, quando olhamos os dados fiscais (do imposto de renda, usados por Medeiros) e os da pesquisa a domicílio (PNAD), o resultado muda totalmente”, afirmou o francês.

Para Fernanda Estevan, professora da FEA que mediou o debate entre Piketty e dois economistas brasileiros, contradições como as apontadas por Piketty mostram que no Brasil o tema “merece ser revisitado”.

Segundo Estevan, a Pnad, que se baseia em questionários aplicados em domicílios selecionados, apresenta vantagens, mas tem limitações importantes.

“Ela consegue incluir os trabalhadores informais, por exemplo, o que o imposto de renda não consegue”, diz a professora.

“Por outro lado, pode ser que quem tem mais recursos reporte apenas sua fonte de renda principal, deixando de mencionar outros ganhos.”

* Artigo extraído do site ihu.unisinos.br

‘Brasil precisa taxar ricos para investir no ensino público’, diz Piketty

Para o economista francês Thomas Piketty, o Brasil precisa ampliar os impostos sobre os ricos para ter mais recursos para investir em educação pública – e, com isso, avançar no combate à desigualdade.

Crítico-sensação do capitalismo, Piketty é autor do polêmico best-seller O Capital no Século XXI (Editora Intrínseca) em que defende, a partir da análise de dados inéditos de 20 países, que a desigualdade de renda estaria voltando a aumentar no mundo após décadas em queda.

A entrevista é de Ruth Costas, publicada por BBC Brasil, 27-11-2014.

Ele diz que o próximo passo de seu projeto é estudar países emergentes, entre eles o Brasil, e defende que a desigualdade é um dos fatores que inibe o crescimento brasileiro.

“Se o Brasil quiser crescer no século 21 precisa garantir que amplos grupos da população tenham acesso a educação de qualidade, qualificação e trabalhos que pagam bem”, diz.

Em visita ao país, para promover a versão em português do livro, Piketty concedeu a seguinte entrevista à BBC Brasilde um hotel de luxo no centro de São Paulo.

Eis a entrevista.

Como o Brasil pode reduzir seus níveis de desigualdade?

Há uma série de políticas que contribuem para isso. Investir em educação e em instituições sociais, (implementar) um sistema de impostos progressivo, em que os ricos pagam mais que os pobres, (criar) boas políticas para o mercado de trabalho e aumentar o salário mínimo – algo que no Brasil foi importante nos últimos 10, 15 anos. Todas essas políticas são complementares. Não dá para escolher.

Se você só aumenta o salário mínimo, mas não aumenta a qualificação do trabalhador e sua produtividade terá problemas para sustentar isso com o tempo. O investimento em educação – e em especial na educação pública – é absolutamente essencial para se reduzir a desigualdade. E a taxação progressiva de rendas altas e grandes heranças pode ser uma forma de obter recursos para investir no sistema de educação pública.

É claro que é mais fácil taxar os pobres que os ricos. Talvez por isso em muitos países você tenha esse monte de impostos indiretos – como é o caso do Brasil. Mas provavelmente, a falta de progressividade no sistema de impostos é uma das razões pelas quais a desigualdade é tão grande no Brasil.

Como assim?

A alíquota máxima do imposto de renda – algo em torno de 27%, 30% – é pequena para padrões internacionais. E é aplicada a partir de salários muito baixos. Seria possível ter impostos mais altos para quem ganha R$500 mil, R$1 milhão, R$5 milhões e por aí vai.

Os impostos sobre herança também são particularmente baixos para padrões internacionais e históricos. Se não me engano, aqui é de 4%. Nos EUA, por exemplo, esse imposto pode chegar a 40% para as maiores heranças. Na Alemanha, Grã-Bretanha e França também.

Mas a França aumentou a taxação sobre os ricos e há notícias de que alguns milionários teriam mudado de país. Esse risco não existe?

Você não vê notícias de que esses países que têm imposto sobre herança de 40% tenham de reduzir suas taxas para o patamar brasileiro, de 4%, para reter milionários. Acho que é perfeitamente possível para o Brasil ter níveis mais altos (de imposto sobre os ricos) sem ter uma fuga massiva de capitais.

No caso da França, eu acho que de fato houve um aumento excessivo dos impostos nos últimos anos. Não tanto para os ricos, mas para a população no geral. O objetivo era reduzir o déficit público mas (a estratégia) foi um desastre. No fim, matou (as perspectivas de) o crescimento, o que dificultou a redução do déficit.

Enquanto a Europa acaba de anunciar um pacote de estímulos para reativar a economia de alguns países, no Brasil o governo anunciou o fim dos incentivos e cortes de gastos. Quem vai na direção certa? E quais os riscos a serem evitados no caso brasileiro?

Não acredito que o governo brasileiro vá reduzir tanto os gastos totais do governo, nem que essa seria uma boa decisão. Talvez seja bom reformar os gastos e o sistema de impostos – e torná-los mais transparentes. Também fortalecer gastos sociais e reduzir outros gastos que não são tão eficientes. Mas não estou certo de que seria uma decisão inteligente reduzir de forma mais significativa o nível geral de gastos do governo com esse nível de crescimento. Se você tem uma recessão ou quase estagnação, austeridade não é uma boa forma de lidar com isso. E tanto no Brasil como na Europa a prioridade agora é voltar a crescer.

Se o Brasil já está conseguindo reduzir a pobreza, por que precisa se importar também com a desigualdade?

Porque poderia ter uma redução ainda maior da pobreza e um crescimento maior da economia se tivesse menos desigualdade. É tudo uma questão de grau. Concordo que precisamos de um pouco de desigualdade para continuar crescendo. O problema é quando a desigualdade atinge níveis extremos, muito altos. Aí deixa de ser útil para o crescimento. Passa a se perpetuar por gerações, afeta a questão da mobilidade social. Os níveis de desigualdade no Brasil estão entre os maiores do mundo. Se o Brasil quiser crescer no século 21 precisa garantir que amplos grupos da população tenham acesso à educação de qualidade, qualificação e trabalhos que pagam bem. Para isso é necessário muito investimento social inclusivo.

Que tipo de programas sociais são efetivos? No Brasil, apesar de diversos grupos políticos abraçarem o Bolsa Família, por exemplo, o programa ainda causa polêmica. Os críticos dizem que é assistencialista ou populista …

A aceitação das transferências para os pobres é um problema em vários países. No Brasil, como em outros países, precisamos abordar a questão das políticas sociais de forma equilibrada. O Bolsa Família e a transferência de recursos para os pobres são importantes. Mas mais investimentos em educação, também. Na realidade, o aumento do salário mínimo tem sido até mais eficiente em reduzir a pobreza que o Bolsa Família. A taxação progressiva também é crucial. Como disse, precisamos de todas essas políticas.

Não é possível reduzir a desigualdade com um Estado menos inflado?

Acho que precisamos de um Estado eficiente para investir em educação e serviços públicos. Não há exemplos no mundo de um país que tenha se desenvolvido com um nível de imposto de 10% ou 20% do PIB. Também sou cético sobre aqueles que dizem que a filantropia privada vai substituir o governo no futuro e que não precisamos de imposto, que só é preciso deixar que os bilionários doem parte de seus recursos para fundações e instituições elegidas por eles.

Bill Gates (fundador da Microsoft), me disse certa vez que leu meu livro e concordava com tudo – mas que não queria pagar mais imposto. Ele disse que aceitaria um imposto progressivo sobre o consumo de até 90%, mas que não queria pagar sobre o dinheiro que vai para sua fundação. O problema é que se você doa dinheiro para uma fundação da qual você é presidente, sua mulher é copresidente e seus parentes são membros do conselho, trata-se de uma doação desinteressada ou só uma maneira de continuar a ter controle sobre esses recursos?

Às vezes, as pessoas que têm dinheiro fazem boas doações com ele. Outras vezes apenas tentam obter mais influência. Nos EUA, muitos milionários financiam organizações políticas.

Por isso, acho que a filantropia privada é útil, algo que complementa a ação do governo, mas não a substitui.

Aqui o problema é que as pessoas pagam impostos, mas não veem o retorno. Todos concordam que o governo deve ser mais eficiente, mas por onde começar?

Esse problema não é exclusivo do Brasil. Entendo que esse processo de construção de confiança (no governo) é gradual. E uma maneira de começar é ampliando a transparência sobre a arrecadação e os gastos do governo. É preciso saber quem exatamente está pagando, por faixa de renda, e para onde vão os recursos.

A expectativa é que o PIB brasileiro cresça menos de 1% este ano. Como isso pode afetar o combate a pobreza?

É muito mais difícil reduzir a pobreza e a desigualdade sem um crescimento econômico vigoroso. O crescimento da economia é algo muito importante, principalmente para países como o Brasil, em que a renda per capita ainda é relativamente baixa. O crescimento deveria ser 3, 4 ou 5%. É esse o crescimento potencial do país. O que temos agora não é satisfatório, por isso entendo a preocupação. Política monetária é importante, o equilíbrio do orçamento também, mas não podemos esquecer que o Brasil precisa crescer mais nos próximos anos para continuar avançando.

Quais são seus próximos projetos?

Estender meu trabalho a países emergentes, como o Brasil e a China. Também estamos fazendo estudos e coletando dados na África. Queremos ver como a distribuição de renda e riqueza tem mudado nesses países. Graças à publicação do livro, agora é mais fácil acessar os dados de alguns países. No Brasil, parece que vamos conseguir ter acesso às estatísticas de imposto de renda que vínhamos pedindo a autoridades brasileiras há muito tempo. Alguns dados recentes já foram liberados – e o que você pode ver é que a desigualdade é ainda maior do que indicam as estatísticas oficiais (da pesquisa Pnad, do IBGE).

* Artigo extraído do site ihu.unisinos.br

Thomas Piketty: “Não discutir impostos sobre riqueza no Brasil é loucura”

No Brasil, a simples menção a um aumento nos impostos é garantia de turbulência para o governo. No caso do tributo sobre grandes fortunas, previsto na Constituição Federal e jamais aplicado, o tema só foi lembrado nas eleições deste ano por partidos de esquerda como PSOL e PSTU. Durante a campanha, Dilma Rousseff nem ousou pisar no terreno espinhoso. Nos países desenvolvidos, cujas fortunas chegam a superar em seis vezes a renda nacional, a criação de taxas para limitar os ganhos de capital já começou. Em 2012, a França aprovou uma alíquota de 75% sobre as maiores riquezas do país.

A reportagem é de Miguel Martins, publicada por CartaCapital, 30-11-2014.

Não à toa, trata-se da terra natal de Thomas Piketty, economista alçado ao status de celebridade após entrar para a lista dos autores mais vendidos do New York Times por seu livro O Capital No Século XXI, lançado no Brasil pela editora Intrínseca. O sucesso explica-se não apenas pela densidade de sua base de dados, responsável por atestar o grande aumento da desigualdade de renda nos países ricos do Ocidente a partir da década de 1970. O livro inspira-se na tradição historiográfica francesa ao enxergar política, economia e cultura como dimensões integradas, e as relaciona com notável erudição. Por esse motivo, Piketty se vê mais como um cientista social e menos como um economista.

De passagem pelo Brasil, o pesquisador concedeu uma entrevista a CartaCapital. Simpático, fez questão de reiterar inúmeras vezes a necessidade dos países adotarem impostos mais onerosos às grandes fortunas para impedir a acumulação crescente dos 10% mais ricos no planeta. “A limitação da concentração é a saída para fazer da propriedade privada algo temporário”, diz.  “É como dizer: ‘Você é o dono, mas não para sempre. Se você continuar investindo e trabalhando, poderá manter essa propriedade. Se mantiver seu capital parado, iremos distribuí-lo.”.

Afinado com a realidade política e econômica brasileira, Piketty defende o aumento de impostos sobre as heranças no País, até 10 vezes inferiores aos da Alemanha e dos Estados Unidos, e critica o grande volume de tributos indiretos, a alta taxa de juros e a falta de transparência nos dados da Receita Federal para grandes fortunas.

Sobre programas como o Bolsa-Família, defende sua importância na redução da pobreza, mas considera ainda mais relevante a política de valorização do salário mínimo. A dificuldade em debater o aumento dos impostos sobre riqueza e patrimônio no país o surpreende. “Não discuti-los no Brasil é uma loucura. Todos os países têm impostos sobre herança muito superiores ao brasileiro. Você não precisa ser de esquerda para defender essa medida. Por acaso Angela Merkelou David Cameron são de esquerda?”

Eis a entrevista.

Professor, um dos aspectos mais interessantes de seu livro é o diálogo apresentado entre a economia e as outras humanidades, em especial a história. Há uma forte base da história social de Fernand Braudel e Geroges Duby em seu trabalho. Trata-se de uma abordagem rara atualmente. Por que é tão difícil encontrar estudos econômicos interdisciplinares no contexto atual?

Eu estou muito feliz que você diga isso, pois eu gostaria que meu trabalho se situasse na tradição de Braudel e outros historiadores franceses. Em 1995, deixei o MIT, nos Estados Unidos, para retornar à França, e fui para a Ecóle de Hautes Etudes en Ciencies Sociales, onde Braudel era o presidente, havia grandes historiadores, sociólogos como Pierre Bourdieu. Mas também fui influenciado por economistas anglo-saxônicos como Simon Kuznets, que foi um dos pioneiros na coleta de dados sobre distribuição. Eu tento combinar essas duas tradições. As fronteiras entre economia, história e sociologia são tênues demais. A divisão é bem menos clara do que os economistas imaginam ser. Me vejo mais como um cientista social.

Seu livro mostra como as duas guerras mundiais e suas consequências econômicas proporcionaram uma forte distribuição de renda. Todavia, em momentos de maior harmonia comercial e econômica entre as potências, como ocorreu na Belle Époque do fim do Século XIX e está ocorrendo atualmente, a riqueza acumulada pode superar e muito a renda nacional. Karl Marx não estava certo sobre o acúmulo infinito de capital ao menos em momentos de paz?

Acho que ele estava um pouco certo, mas também errado em alguns pontos. No tempo em que ele escreveu, havia uma grande acumulação de capital e toda a nossa base de dados indica uma longa estagnação dos salários no Reino Unidoe na França, entre 1800 e 1870, mesmo com a revolução industrial. Por isso, foi uma observação tão forte. Mas vejo erros em alguns pontos. A sua primeira limitação é o que ocorreria após a abolição da propriedade privada. Os países que o fizeram não foram capazes de organizar a sociedade e o Estado, foi um grande desastre. É fácil perceber o tamanho da acumulação de capital excessiva, mas é difícil pensar nas boas e democráticas soluções para limitar o poder do capital, entre elas o estabelecimento de impostos progressivos.

Não é por conta do desastre das experiências socialistas que precisamos parar de pensar nisso. A limitação da concentração da riqueza é uma saída para fazer da propriedade privada algo temporário. É como dizer “você é o dono, mas não para sempre. Os impostos vão tirar parte de sua propriedade ao longo do caminho. Se continuar a investir e trabalhar, poderá manter essa propriedade, mas se mantiver seu capital parado, iremos distribuí-lo”.

No Brasil, a discussão do imposto sobre grandes fortunas é vista por muitos como uma agenda radical da esquerda. Na campanha eleitoral, Um dos únicos partidos a tocar abertamente no assunto foi o PSOL, cuja representação no Congresso é tímida. O senhor considera a proposta de esquerda?

O Brasil poderia ter um sistema de imposto mais progressivo. O sistema é bastante regressivo, com altas taxas sobre o consumo para amplos setores da sociedade, enquanto os impostos diretos são relativamente pequenos. As taxas para as maiores rendas é de pouco mais de 30%, é tímido para os padrões internacionais. Países capitalistas taxam as principais rendas em 50% ou mais. Os impostos sobre herança e transmissão de capital são extremamente reduzidos, apenas 4%. Nos Estados Unidos é 40%, na Alemanha é 40%. Não discutir a cobrança de impostos sobre a riqueza no Brasil é uma loucura. É tudo muito ideológico. Todos os países têm imposto sobre herança muito superiores ao brasileiro. Você não precisa ser de esquerda para defender essa medida.  Por acaso Angela Merkel ou David Cameron são de esquerda?

O Brasil precisa de um sistema mais progressivo de impostos. Deveria haver uma redução de impostos indiretos. O PTpoderia ir nessa direção, é uma forma de ter um sistema mais transparente e trazer mais confiança para o governo. Eu entendo que o PT está buscando um novo projeto para este mandato. Uma grande reforma tributária seria importante.

O caso francês é uma referência?

O imposto sobre a fortuna é uma evolução importante. O problema na França e na Europa é que só agora estamos mudando para um transmissão automática de informação entre os países sobre ativos financeiros transnacionais. Até agora, se você tinha uma conta bancária na Suíça, a receita francesa não possuía a informação. É muito difícil controlar a cobrança de impostos em um continente com tamanha integração econômica e fluxos livres de capital. É necessário mais cooperação, e acho que vamos seguir nesta direção.

No debate da USP, na quarta 26, o senhor discutiu suas ideias com André Lara Resende, ex-presidente do BNDES no governo Fernando Henrique Cardoso, e Paulo Guedes, um dos fundadores do instituto Millenium, dois economistas de posição neoliberal e contra impostos sobre a riqueza. É um tipo de reação comum que o senhor tem testemunhado?

Sempre há grupos de pessoas com diferentes reações. Muitas pessoas no Ocidente querem adiar o imposto sobre a riqueza. Eu entendo que os dois economistas com quem debati são também homens de negócios, talvez não economistas bilionários, mas eles querem adiar o máximo possível. Eles são a favor de um aumento dos impostos sobre herança, o que já é algo. O que me surpreende é ter conhecido muita gente a favor do imposto sobre herança, mas não ver ações concretas neste sentido.

O senhor também comentou no debate sobre suas dificuldades em acessar os dados anuais consolidados da Receita Federal no Brasil, principal fonte de sua pesquisa em 20 países. Quais são os maiores entraves?

Quando há apenas o sistema de pesquisas domiciliares para se medir a distribuição de renda, você tende a subestimar a desigualdade. Os 10% mais ricos em particular não são bem registrados em pesquisas com famílias. Na maior parte dos países, quando há imposto de renda, os governos publicam balanços anuais detalhados. No Brasil, o governo não está publicando estas informações de forma transparente. Fomos capazes de encontrar os balanços de imposto de renda entre 1963 e 1999. A partir desse ano a base parece ter desaparecido. Recentemente, algum acesso foi dado a um grupo de economistas brasileiros, do professor Marcelo Medeiros, da UnB, relativo ao período de 2006 a 2012. O fim da publicação da base de dados em papel pode ter contribuído para isso. Muitas vezes há mais restrição para acessar os dados informatizados.

Em termos gerais, há uma falta de transparência na base de dados do imposto de renda no Brasil. As conclusões preliminares de Medeiros mostram um nível de desigualdade bem maior do que aquele aferido pelas pesquisas domiciliares. Ao tomar como referencia os dados da receita entre 2006 e 2012, houve inclusive um aumento na concentração dos 10% mais ricos, que saltou de 50% para 55% da renda total.

Embora não seja tanto o foco da sua pesquisa, como o senhor vê os programas de transferência de renda no Brasil como o Bolsa Família?

Olho bastante para base a pirâmide. Me preocupo muito no livro com os 50% mais pobres. O Bolsa Família tem sido um imenso sucesso, o que contribui para a redução da extrema pobreza e o aumento da renda dos mais pobres. A parte dos impostos tem peso em meu livro, mas a transferência também. No caso brasileiro, mais importante ainda é a política de valorização do salário mínimo. Isso foi muito positivo. Quaisquer que sejam os dados, a diminuição da miséria no Brasil é um fato, pelas políticas introduzidas pelo PT. Mas é possível ainda que os 10% mais ricos tenham ampliado sua distância. Pode ser ter ao mesmo tempo uma diminuição da pobreza e um aumento da desigualdade. É um erro imaginar que o Brasil já fez o suficiente em termos de redução da pobreza.

O Brasil tem uma taxa de juros alta, superior a 11%. Quais os riscos desse alto patamar para o futuro da distribuição de riqueza no País?

Há limites com o que você pode fazer com política monetária. Precisamos de mais políticas e reformas fiscais. Inflação pode ser importante em alguns casos para distribuir renda, mas muitas vezes não têm funcionado. O Brasil paga muito mais em juros do que está colocando no Bolsa Família. Se você realmente quer distribuir riqueza e limitar o acúmulo e concentração de capital, é necessário um sistema mais progressivo. Para mim, os impostos progressivos sobre riquezas privadas são uma forma civilizada de inflação. A inflação geralmente pune cidadãos com pouco dinheiro em suas contas bancarias.

Qual a sua visão sobre o sistema de Bretton Woods hoje e qual o potencial do banco dos Brics, recém-criado?

Precisamos de um sistema multipolar e faz sentido uma instituição coordenada pelos Brics. Também acredito que esse sistema deveria envolver uma Europa mais forte e o fortalecimento do Euro. Não é bom ter apenas dois países hegemônicos. O poder do dólar é bom para os Estados Unidos, mas não para o resto do mundo. Especialmente pelo sistema legal por trás do dólar. Recentemente, a Argentina teve de pagar uma dívida bilionária da noite para o dia. Na França, o maior banco, o BNP Paribas, foi subitamente acionado a pagar uma multa enorme pelo sistema judicial norte-americano. Isso é errado. Nós todos nos beneficiaríamos de um sistema multipolar, com alternativas. Se você não está feliz com o dólar e o sistema jurídico por trás da moeda, você deve poder recorrer a outros sistemas.

* Artigo extraído do site ihu.unisinos.br

Empreiteira que soube usar a corrupção cresceu mais

Não é de hoje que empreiteiras têm enorme influência no governo. O poder e a participação delas em escândalos de corrupção têm origem em relações criadas ainda durante a ditadura militar.

A entrevista é de Carol Prado, publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 01-12-2014.

A conclusão é resultado de pesquisa realizada pelo historiador Pedro Henrique Pedreira Campos, 31, durante quatro anos. No livro “Estranhas Catedrais “” As Empreiteiras Brasileiras e a Ditadura Civil-Militar” (Editora da UFF, 2014), ele conta como o setor de infraestrutura teve participação ativa no golpe de 1964 e conseguiu se manter próximo ao Estado mesmo após a redemocratização.

Para o pesquisador, mecanismos de fiscalização mudaram aspectos da relação entre empreiteiras e governo, revelando casos de corrupção que antes eram acobertados.

Mas ele ainda é pessimista sobre os impactos da Operação Lava Jato, que investiga o esquema de desvios na Petrobras e prendeu executivos das maiores empreiteiras do país: “O que a operação traz à tona a gente já viu inúmeras vezes”, afirma.

Eis a entrevista.

No livro, o senhor diz que irregularidades com empreiteiros podem ser entendidas não como simples desvios, mas traços da dinâmica do capitalismo. Por quê?

A gente tenta ler a corrupção como exceção. Mas o que eu noto, considerando a história do capitalismo, é que a apropriação do público pelo privado é mais uma regra. As empreiteiras calculam a corrupção para obter lucro. Assim, se eu tenho que lucrar com uma obra, vou usar todos os métodos disponíveis. Um bom empreiteiro é o que faz a obra e a faz lucrativa. A lei de licitações, regida pelo menor preço, acaba criando esse tipo de artifício. A empresa chega com um preço muito baixo, então não cumpre o contrato ou acaba indo por meios ilícitos para tornar a obra mais lucrativa. As empresas que mais cresceram são as que mais souberam se corromper.

O que a Operação Lava Jato representa, ou pode representar, nesse cenário?

Eu, sinceramente, não sou muito otimista em relação aos impactos da operação. O que ela traz à tona a gente já viu inúmeras vezes. O que é interessante é que ela tem uma escala muito elevada, são valores muito altos relacionados a desvios na maior empresa brasileira.

É também impactante que importantes executivos tenham sido presos. No entanto, os donos das empresas, os empreiteiros de fato, não estão presos. A gente já teve escândalos envolvendo algumas das mesmas empreiteiras que hoje aí estão acusadas e que se mantiveram poderosas, não perderam contratos. Empresas pequenas podem até ser marginalizadas, mas não acredito que empresas como Odebrecht e Camargo Corrêa venham a se tornar inidôneas.

O senhor afirma que, antes da ditadura, as maiores empreiteiras do país já eram fortes, principalmente por causa das obras do governo JK. O que mudou com o golpe de 1964?

Durante a ditadura, elas tiveram acesso direto ao Estado, sem mediações, sem eleições. Havia um cenário ideal para o seu desenvolvimento: a ampla reforma econômica aumentou recursos públicos disponíveis para investimentos e mecanismos legais restringiram gastos para a saúde e educação e direcionaram essas verbas para obras públicas, apropriadas pelas empreiteiras –grandes projetos, tocados sob a justificativa do desenvolvimento nacional, como a [rodovia] Transamazônica, a usina de Itaipu e a ponte Rio-Niterói.

A impressão que tenho é que essas empresas têm saudades da ditadura, já que não existiam mecanismos de fiscalização de práticas corruptas. Elas não eram alvos de escândalos nacionais, porque isso não era investigado.

Esses mecanismos causam incômodo significativo hoje?

Sim. Mas, ao mesmo tempo, elas mantêm práticas daquela época –por exemplo, o descuido com a segurança do trabalhador. Vimos isso durante as obras da Copa do Mundo. Isso acontece porque elas precisam ter uma margem de lucro maior e, nesse sentido, ainda existe certa conivência do Estado, que mal fiscaliza as condições de trabalho. Da mesma forma, eles ainda tentam por todas as vias conseguir contratos, viabilizar obras e ganhar o máximo possível. Para isso, mantêm as práticas ilegais.

É comum ouvir que, na época da ditadura, a corrupção era menor. Pode-se dizer isso?

O que eu percebo é que a gente não tinha acesso aos casos de corrupção. Eles não vinham à tona, o que não quer dizer que não existiam. Eu diria que, em relação ao aparelho de Estado, a apropriação era ainda maior. Hoje essas empreiteiras estão sujeitas a órgãos de fiscalização e volta e meia são alvo de denúncias.

São as instituições da democracia que conseguem revelar esses casos: o Ministério Público e a Polícia Federal. É um mérito dos governos recentes o investimento nesses mecanismos. Mas, ao mesmo tempo, eles também mantiveram estruturas, em relação à distribuição de cargos, que facilita a corrupção.

Há indício ou prova de participação direta das empreiteiras no golpe de 1964?

A entidade-chave é o Ipes [Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais], composto principalmente por empresários que financiaram o centro que buscava desarticular o governo João Goulart e montar um novo projeto de Estado. Muitos empreiteiros atuaram no instituto, que teve participação ativa no golpe. Haroldo Poland, por exemplo, presidente da empreiteira Metropolitana, era um ativo financiador do Ipes.

Quais nichos foram criados para o setor de infraestrutura durante a ditadura militar?

O portfólio dessas empresas ficou mais complexo. Antes, elas eram empreiteiras rodoviárias; após o golpe, adquiriram experiência na construção de metrôs, usinas hidrelétricas e nucleares, grandes aeroportos e obras industriais, como parques frigoríficos, refinarias e polos petroquímicos. Com o tempo, no final da década de 60, começaram a atuar fora do Brasil e se tornaram grandes multinacionais.

Como as empreiteiras conseguiram sobreviver ao processo de redemocratização?

Isso tem a ver com as características específicas da redemocratização no Brasil. Foi uma transição pactuada, lenta, sem tomada de poder por forças oposicionistas.

Nesse processo, algumas figuras políticas não perderam poder, foram reposicionadas. Agentes do regime se mantiveram e, consequentemente, as empreiteiras a eles associadas também. Figuras como [JoséSarney e Antonio CarlosMagalhães não foram marginalizadas. Muito por isso, alguns projetos da ditadura recorrentemente são retomados –a ferrovia Norte-Sul, as grandes hidrelétricas, a transposição do rio São Francisco, o trem-bala.

O próprio Minha Casa, Minha Vida guarda semelhanças com os empreendimentos do BNH [Banco Nacional de Habitação]: grandes condomínios feitos em escala quase industrial, beneficiando muito as construtoras.

Quais empreiteiras mais cresceram durante o regime?

O crescimento mais impressionante foi o da Odebrecht. Era uma pequena empresa regional, com alguma importância no Nordeste, e começou a crescer quando construiu o edifício-sede da Petrobras, no Rio de Janeiro. A partir daí, saiu do Nordeste e fechou contratos estratégicos da ditadura, como a obra do aeroporto de Galeão e da usina Angra 1. No final da década de 70, iniciou a atuação no exterior e, na década seguinte, começou a fazer fusões e aquisições.

A forma como essas empresas influenciam as decisões do Estado se mantém?

Hoje, assim como na ditadura, elas não atuam de forma individual. Claro que alguns dos maiores empreiteiros têm relação direta com alguns políticos. Mas a maioria dessas empresas tem sindicatos e organizações que levam ao Estado projetos de obras, tentam pautar políticas públicas e forçam o direcionamento do orçamento.

Mas muito mudou. Se elas têm saudade da ditadura, é porque eram ainda mais poderosas naquela época. Hoje, há menos obras e elas não têm acesso tão fácil ao Estado. O mecanismo de atuação política dos empresários, que era mais direcionado ao Executivo e às agencias, foi diversificado. O trabalho passou a ser junto ao Legislativo e aos partidos, por meio de financiamento das campanhas.

O senhor considera o financiamento de campanhas um dos motores da corrupção ligada a essas empresas?

Não é um motor, mas uma peça muito importante. O financiamento empresarial compromete toda a gestão futura. Se o empresário está pagando, ele vai ter poder sobre o governo que vai ser eleito. É a lógica de que quem financia governa junto.

* Artigo extraído do site ihu.unisinos.br

“O capitalismo deve tornar-se o escravo da democracia, e não o contrário”. Entrevista com Thomas Piketty

O homem afável e humano sentado em uma poltrona um tanto surrada, rodeado de livros que mal cabem no estreito escritório que ocupa na Escola de Economia de Paris, pouco se parece com o homem dos cartazes que o semanário Le Nouvel Observateur espalhou por toda a Paris: “Piketty, guru mundial”, dizem os cartazes que anunciam o número da revista consagrado ao economista francês e ao seu livro.

Thomas Piketty não tem nada de guru, mas uma amabilidade comprometida e um humanismo que emana de seus gestos e tom de voz. O Capital no Século XXI (Editora Intrínseca, 2014), chega às bancas argentinas editado pela Fondo de Cultura Económica. Apesar de seus mais de 1.000 páginas e de certa complexidade técnica converteu-se em um best-seller mundial e um desses livros que marcam um antes e um depois na história das ideias.

Fontehttp://bit.ly/1rMDcVF

A obra marcou a época, ao mesmo tempo que derrubou alguns mitos que pareciam eternos, tanto mitos marxistas como liberais. Durante uma década e meia o economista francês de 43 anos trabalhou reunindo os dados fiscais de mais de 30 países desenvolvidos desde o século XVIII até hoje. Dessa pesquisa emerge uma constante: o capital, sem a intervenção reguladora do poder público, gera somente desigualdades. Esta desproporção é muito mais visível a partir da década de 1980.

O quadro é devastador: nos Estados Unidos, os 10% mais ricos detêm 45% dos ganhos. O mérito, ou seja, o trabalho, perdeu seu valor em relação à “herança” e os proprietários de bens imobiliários substituíram os proprietários de terras. A desigualdade é a marca do século.

Thomas Piketty recebeu o jornal Página/12 em seu escritório de Paris, e esta entrevista, na qual expõe os princípios do livro que revolucionou o pensamento econômico, inevitavelmente começa com uma pergunta sobre a atualidade argentina e mundial.

A entrevista é de Eduardo Febbro e publicada no jornal argentino Página/12, 30-11-2014. A tradução é de André Langer.

Eis a entrevista.

A Argentina enfrenta hoje um antagonismo atravessado pela desigualdade que raia o mafioso. Trata-se de seu enfrentamento com os fundos abutres e o imperialismo judicial dos Estados Unidos.

Argentina sofre hoje a evolução recente e caótica da jurisprudência norte-americana sobre a dívida pública argentina. Há, aqui, uma situação de hegemonismo jurídico norte-americano que é um problema da Argentina e que pode ser um problema também para outros países. Isto é pior que a ausência de justiça. Em muitas partes do mundo assistimos a uma espécie de privatização do direito com fundos de arbitragem e interesses financeiros que constroem seu próprio direito, suas próprias cortes de arbitragem e seus próprios tribunais. Com isto escapam completamente da soberania dos Estados Unidos. É uma realidade que a Argentina enfrenta de forma extrema. De alguma maneira, todos estão confrontados com o que a Argentina atravessa. Estamos diante de um fenômeno geral de privatização do direito, de captação do direito, de construção de espaços jurídicos à parte para proteger interesses privados, o que é muito preocupante. A problemática que a Argentina enfrenta hoje ultrapassa em muito seu próprio caso. Creio que necessitamos de um mundo muito mais multipolar, um retorno a certa soberania nacional e popular, um mundo onde nem sempre se aceitem os ditados dos Estados Unidos, onde se possa propor uma visão do direito e do desenvolvimento internacional diferente daquele dos Estados Unidos.

Você compartilha hoje um privilégio raro: junto com o Papa Francisco, os meios liberais qualificam-no de novo apóstolo do marxismo.

Eu não sou marxista. Faço parte de uma geração que cresceu com a queda do Muro de Berlim, em 1989. Nasci muito tarde para ter uma tentação marxista em sua variante soviética do comunismo. O êxito do livro mostra que há um apetite por conhecimentos em torno destes temas que tocam o dinheiro, os ganhos e o patrimônio. Esses temas são muito importantes para deixá-los nas mãos de um grupinho de economistas, técnicos ou especialistas. Meu livro é uma história legível do dinheiro. Meu livro traça a história da distribuição dos ganhos e do patrimônio ao longo de três séculos e em mais de 30 países.

A síntese do seu monumental trabalho é claríssima: a posse patrimonial, ou seja, a desigualdade, impôs-se em todo o mundo.

Depende muito do país, da amplitude e da época. Não há um mecanismo exclusivo que possa explicar tudo isso. Há forças que vão em todas as direções. Isto quer dizer que existem vários futuros possíveis e não uma única dinâmica na distribuição das riquezas. Há forças que às vezes levam à redução das desigualdades, como, por exemplo, a difusão do conhecimento ou a educação, que vão nesse sentido. E também há outras forças que conduzem ao aumento das desigualdades, em particular a tendência de longo prazo que faz com que os benefícios do capital estejam acima da taxa de crescimento. Mas diria que tudo depende das instituições, das políticas que os países decidem aplicar.

Você demonstra outra ilusão errônea de Marx e prova que os benefícios do capital podem manter-se acima da taxa de crescimento. Também cai outro discurso: o do economista e prêmio Nobel de Economia Simón Kuznets. Marx pensava que a desigualdade levaria ao colapso e Kurnets, que se reduz com o avanço das sociedades.

Marx dizia que “as desigualdades vão aumentar até a revolução final”, enquanto que Kuznets escrevia nos anos 1950 que as desigualdades se reduzem naturalmente nas sociedades industriais avançadas. Ambos se equivocaram, porque há forças que podem ir nas duas direções e não sabemos qual delas irá se impor. Neste princípio do século XXI há um risco muito sério de que voltemos às desigualdades do século XIX. Isto já é uma realidade em alguns casos e em outros não. É verdade, na teoria de Marx havia uma saída econômica para o processo. Havia uma contradição entre a queda da taxa de benefícios que iria conduzir a uma catástrofe final e ao colapso deste sistema. Pode ser que minhas conclusões ainda sejam mais pessimistas porque, do ponto de vista estritamente econômico, não há saída. O rendimento do capital pode manter-se em um nível elevado, em particular porque sempre há ganhos oriundos da produtividade, das inovações tecnológicas, do crescimento da população. Apesar de uma acumulação crescente do capital, o rendimento mantém-se em um nível superior à taxa de crescimento. Em todo o caso, seria um erro pensar que uma saída puramente econômica – ou seja, a queda dos benefícios – vá resolver esta contradição. Minhas conclusões são pessimistas do ponto de vista econômico, mas otimistas do ponto de vista político. Há soluções políticas para este problema. A instituição fiscal, social ou educativa permite organizar esse processo de acumulação do capital de uma forma mais igualitária e pelo bem comum.

Como romper, então, o ciclo claro da desigualdade quando fica demonstrada em seu trabalho a constante deste mal.

Minha principal conclusão consiste em que necessitamos de instituições públicas de transparência democrática em torno dos ganhos e dos patrimônios capazes de adaptar as nossas instituições e as nossas políticas à realidade. A propriedade privada, o capitalismo e as forças do mercado devem estar a serviço da democracia e do interesse geral. O capitalismo deve tornar-se o escravo da democracia, e não o contrário. É preciso utilizar as potencialidades do mercado para demarcá-lo severamente, radicalmente se for necessário, para colocá-las na direção correta. É perfeitamente possível.

Você cita um personagem de Balzac, cuja frase é aplicável ao mundo de hoje: frente aos ganhos gerados pelo capital, não faz sentido trabalhar. É melhor casar-se com uma herdeira.

Boa parte das minhas interrogações e das minhas motivações neste trabalho de pesquisa provém da literatura, porque a literatura tem uma espécie de potência para expressar as consequências do dinheiro e das desigualdades na vida e nos laços sociais que é incrível. Com a linguagem das ciências sociais nunca teria essa potência expressiva. Creio que essas diferentes formas de expressão são complementares. É verdade que esse discurso de Balzac nos mostra um jovem ambicioso quando estuda Direito em Paris, em 1820. Mas poderia ser na Paris deste ano, ou em Buenos Aires em 2014, ou em Nova York ou no México. É um tipo de personagem eterno de jovem ambicioso que quer devorar a vida e a quem se explica que, finalmente, os estudos, o trabalho, o mérito, não levam a parte alguma e que a melhor coisa a fazer é casar-se com uma moça que, mesmo não sendo muito encantadora, tem um milhão de francos da época, cerca de 30 milhões de euros de hoje. Por acaso, o mundo de hoje é como aquele descrito por Balzac? É diferente, mas se aproxima em alguns lados. A herança nas sociedades ocidentais de pouco crescimento – e talvez algum dia para o conjunto do Planeta – recupera um nível que não tínhamos no pós-guerra, mas no século XIX. Hoje temos o que no livro eu chamo de “retorno à sociedade patrimonial”. Não é exatamente o mundo de Balzac, mas é intermediário entre o mundo de Balzac e o mundo encantado da meritocracia dos chamados Trinta Gloriosos do pós-guerra, onde se acreditou que se havia chegado a um capitalismo sem capital, sem patrimônio. Mas isso, no longo prazo, não é possível. Isso foi unicamente uma fase de reconstrução, temporária, uma fase onde o poder público soube inventar regulações. A queda do Muro de Berlim e a entrada nessa nova fase de confiança infinita na autorregulação dos mercados contribuíram muito para a repatrimonialização das nossas sociedades. Esse é o mundo que temos hoje diante de nós neste século XXI.

Você assinala que nos últimos 10 anos a capitalização mundial das bolsas cresceu 147% e o PIB mundial 80%. A desproporção é esmagadora. Para você, essa concentração do poder econômico é incompatível com os valores das nossas sociedades democráticas.

Quando a desigualdade, em particular a desigualdade patrimonial, se torna extrema, essa desigualdade não é apenas inútil para o crescimento, mas, inclusive, pode prejudicá-lo. Essa desigualdade torna-se um freio à mobilidade, um fator de perpetuação da desigualdade no tempo e, também, converte-se em uma verdadeira ameaça para as nossas instituições democráticas. Uma concentração importante do poder do dinheiro leva a uma concentração muito importante do poder de influência nos meios de comunicação e na vida política. Cada parte do mundo tem sua própria história com a desigualdade, suas próprias interrogações. Às vezes, as instituições públicas, isto é, as regras que limitam o poder do dinheiro privado na vida política, as regras que organizam o financiamento público dos partidos políticos, podem limitar esse poder do dinheiro. Mas não se deve ver essas regras e essas instituições como algo dado. Não. São instituições frágeis que podem ser postas em dúvida. Temos que levar muito a sério a questão de saber como se limita, através do Estado de Direito e de instituições muito fortes, esse controle do dinheiro.

A desigualdade, o crescimento patrimonial sem freio coloca em perigo o fundamento da democracia. Por quê? Rompe o contrato social, produz violência institucional ou social?

A desigualdade rompe o contrato social, rompe o princípio da igualdade diante da lei, da igualdade diante do sufrágio universal. Quando temos uma desproporção extrema dos meios financeiros temos também uma desproporção extrema dos meios de influência na vida política. A desigualdade também rompe o laço social e cívico por meio do qual se aceita que se coloquem em comum importantes recursos para financiar o bem público, a proteção social, os serviços públicos. Se as classes médias e as classes populares têm a duradoura impressão de que pagam mais impostos que os ricos, o consenso fiscal se rompe, ou seja, o consenso que torna possível que todos aceitem pagar uma parte importante dos recursos produzidos para financiar o acesso à educação, à saúde, às infraestruturas. Toda essa aceitação da vida em comum acaba potencialmente sendo questionada com a secessão aos mais ricos. Se quisermos uma democracia real necessitamos de instituições sociais e políticas que enquadrem a propriedade privada, que limitem a acumulação em poucas mãos. Desconfio muito dos discursos – muitas vezes hipócritas, que se ouve em muitos países – sobre a ideia abstrata da igualdade. Às vezes se servem deles para rechaçar o imposto progressivo, para justificar – na França e em outros países – que se invista três ou quatro vezes mais nos setores educativos onde vão os filhos das elites antes que ali onde vão os filhos das classes populares. E tudo isso com uma boa consciência republicana. O princípio abstrato da igualdade é proclamado muitas vezes para justificar desigualdades perfeitamente reais, extremas. Sempre que é preciso colocar em dúvida esse princípio, desconstruir essa proclamação. Essa é um pouco a meta do meu livro.

Outro mito que você desconstrói é que o crescimento diminui as desigualdades. Essa ideia é a bíblia dos liberais, que também veem na globalização uma panaceia contra as desigualdades.

Acontece que para que seja assim faltam condições. Houve fases históricas em que o crescimento era compartilhado, era equilibrado, em especial durante as décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial – em todo o caso nos países europeus e nos Estados Unidos. Aqui, sim, o crescimento correspondia a certo enriquecimento geral. Há fases como a dos últimos 30 anos nas quais temos uma parte desproporcional do crescimento que é abocanhada pelos ganhos mais altos. Aqui, um crescimento elevado não é sinônimo de enriquecimento geral. Creio que devemos superar o crescimento, devemos nos acostumar com o fato de que um crescimento de 5% anual, como ocorreu nas décadas do pós-guerra, não continuará eternamente. Devemos nos acostumar a viver com um crescimento estruturalmente mais lento, mais limpo. O que falta, sobretudo, é mais transparência na distribuição social do crescimento. É absolutamente necessário contar com mais informações democráticas e verificáveis sobre a forma como os diferentes grupos sociais, os diferentes grupos de ganhos e de patrimônio se beneficiam ou não com o crescimento. Não se pode fazer uma hipótese sobre o fato de que a taxa de crescimento maximiza sempre a ascensão social em todas as partes. Não é o caso.

Você assinala que a fase atual do capitalismo transformou as relações sociais. Estas são agora relações patrimoniais.

As relações de propriedade podem ser, do ponto de vista social, extremamente violentas, porque colocam certos grupos em dependência uns em relação aos outros. Quando uma parte dos ganhos gerados pelo trabalho devem ser pagos a quem detêm o patrimônio, seja a casa onde se mora ou o material necessário para uma empresa, isto cria uma tensão que, muitas vezes, é deixada de lado nos modelos econômicos abstratos, nos quais tudo é harmonioso e do interesse geral. As relações de propriedade são sempre complicadas, mais ainda quando o nível global do patrimônio, a capitalização imobiliária, a capitalização bursátil, recupera níveis muito elevados em relação ao nível nacional. E essas relações de propriedade são ainda mais complicadas quando essas relações de propriedade se expandem em nível internacional. Sempre é complicado pagar o aluguel ao proprietário, mas quando se trata de países que pagam juros ou dividendos a outro país, é ainda pior. Organizar relações justas e democráticas para essas relações de propriedade, no caso de uma comunidade política e democrática nacional, já é muito complicado. Com os atores internacionais é pior. Deste ponto de vista, é certo que a situação da América Latina em seu conjunto em relação com os Estados Unidos é o exemplo número um de uma relação complicada de dominação econômica. Há fluxos de capital, de juros e de dividendos que saem da América Latina para alimentar os proprietários norte-americanos. Trata-se de uma situação que está longe de ser o caminho para a harmonia e o enriquecimento geral descrito pelos modelos econômicos. Tanto no passado como hoje, esse foi o caminho de um conflito que gira em detrimento do desenvolvimento social e econômico harmonioso.

Essa bela ideia do capitalismo com rosto humano é um conto de fadas. Encontramo-nos em um marasmo no qual o ciclo humano se esgotou. Mas você persiste em um otimismo regenerador, como se ainda houvesse muitas páginas da história para encher de coisas boas.

Sim, o ciclo se esgotou. Além do mais, cada época inventa novas formas de capitalismo com rosto humano, às vezes de forma totalmente hipócrita com um rosto nada humano, outras vezes de maneira mais convincente. O certo é que a folha em branco na qual se pergunta como superar o capitalismo, como organizá-lo de outra maneira em benefício de todos, essa página ainda está por ser escrita. Independentemente dos fracassos passados, é preciso recomeçar novamente. Creio que essa é a conclusão mais importante do meu livro: as formas concretas da democracia, da propriedade, devem ser reescritas. Há formas de regulação cujos contornos com relação à transparência, aos ganhos, ao patrimônio, ao imposto progressivo sobre os ganhos já podem ser traçados. Mas também há outras formas de reapropriação democrática e coletiva da propriedade que estão para ser escritas. Depois da queda do Muro de Berlim criou-se um momento em que a única forma de organização da vida econômica era a sociedade de acionistas, com todo o poder outorgado aos acionistas. Hoje nos damos conta de que não é o caso, de que há setores inteiros das atividades humanas, a educação, a saúde, os meios de comunicação, onde a sociedade de acionistas é totalmente absurda. Na mídia há muitas discussões para saber como organizar novas formas de governabilidade e financiamento, mais participativas. Isso vale também para o setor industrial, onde a participação dos empregados nas decisões das empresas é um fato – por exemplo, nos conselhos de administração dos grupos industriais da Alemanha. Isso não os impede de fabricar carros bons, pelo contrário. A participação dos empregados e a partilha do poder pode ser em muitos casos uma garantia não apenas de um reequilíbrio social melhor, mas também de eficácia econômica. Todas estas questões devem ser abordadas com um olhar novo para sair da ideologia do mercado que se apoderou do mundo depois da queda do Muro.

Uma certa imprensa anglo-saxã trata você de “louco dos impostos”, porque propõe como nova forma de equilíbrio uma ampla revolução fiscal mundial para restabelecer a igualdade.

A meta dos impostos é poder produzir bens públicos. O imposto é interessante pelo que permite fazer. Se você olha a situação na Europa, os países mais ricos, os mais competitivos, a Dinamarca ou a Suécia, têm uma taxa de impostos obrigatória de 40% a 50%. Os países mais pobres, por sua vez, como a Bulgária ou a Romênia, têm uma taxa de impostos de 20%. Se bastasse pagar poucos impostos para ser rico, a Bulgária ou a Romênia seriam mais ricas que a Dinamarca ou a Suécia. Mas não é assim que as coisas funcionam. Ter impostos elevados pode ser bom para o desenvolvimento econômico, sempre e quando esses impostos altos forem utilizados para financiar os serviços públicos, as infraestruturas coletivas, a educação, a saúde. É o que fazem os países da Europa do Norte. É preciso que o mesmo sistema de impostos, mais além dos gastos que financia, seja justo. Para que as classes médias e populares aceitem um nível de impostos elevado é necessário que os mais favorecidos paguem tanto quanto eles. Para que o imposto seja justo deve ser progressivo, ou seja, funcionar com uma taxa que corresponda à porcentagem elevada dos ganhos e do patrimônio. Esse é um ponto importante do meu livro: o Imposto sobre os Ganhos é uma grande invenção do século XIX, mas em uma sociedade cada vez mais patrimonial requer-se igualmente um imposto sobre o patrimônio. Não precisamos esperar a emergência de um governo mundial para chegar a isso. Há muitas coisas que podem ser feitas no plano nacional e às vezes se exagera com essa ideia de que os governos nacionais não podem fazer nada na globalização. A maioria dos países conta com um sistema de impostos sobre o patrimônio e o capital, mas são sistemas proporcionais e não progressivos, aplicados unicamente ao patrimônio imobiliário e não ao financeiro. Toda esta informação suplementar sobre os ganhos, o capital e sobre quem é dono de quê, é também útil para a democratização do capitalismo. O imposto é mais que o imposto. É também uma forma de produzir informação e transparência, que podem ser utilizadas como uma base da reapropriação democrática do capitalismo.

Todas estas reformas requerem um ingrediente que aborrece o liberalismo parlamentar: o conflito.

O conflito é necessário. Devemos parar de negar a importância do conflito na história da política, na história do imposto, na história das desigualdades. Toda a história sobre as desigualdades do século XX que eu conto é uma história violenta, é uma história onde há conflitos, guerras, onde a revolução desempenha um papel. Tratemos de melhorar as coisas na próxima vez, e da maneira mais pacífica possível, mas não neguemos o fato de que faltam sanções, faltam conflitos. Na Europa, e no mundo, um dos problemas está em que nos acostumamos ao livre comércio e à livre circulação de capitais em troca de nada, em troca de nenhuma transmissão de informação, de nenhuma coordenação fiscal, de nenhum imposto mínimo sobre aqueles que mais se beneficiam com a globalização, e isto não pode continuar eternamente. Toda a história da redistribuição, do Estado Providência, do imposto progressivo durante o século XX é uma história que passa por fases de conflito. Não é uma história na qual um amável socialismo eleitoral chega racionalmente ao poder e tudo acontece com calma e espontaneidade. É uma história muito mais desorganizada e seria chamativo se o futuro fosse diferente.

* Artigo extraído do site ihu.unisinos.br

‘É um erro achar que país precisa de mais mercado’, diz economista francês

No dia em que o governo brasileiro oficializou um novo ministro da Fazenda simpático ao mercado, o economista francês Thomas Piketty, autor do best-seller “O Capital no Século 21“, afirmou considerar um erro pensar que o Brasil precisa de mais mercado e menos intervenção na economia.

Piketty, que está no Brasil para promover o livro que lhe rendeu status de celebridade no debate econômico, não quis discutir especificamente a nova equipe econômica, mas afirmou que “seria um erro pensar que o Brasil fez demais na área social e para reduzir a desigualdade”.

Eis a entrevista *

Recentemente, Dilma disse que o Brasil vai contra a corrente internacional de alta da desigualdade que seu livro aponta. O sr. concorda? 

Políticas de educação e transferências sociais como as que foram aplicadas em certa medida no Brasil nestes dez últimos anos podem permitir ir contra a corrente de aumento da desigualdade, mas ela realmente diminuiu?

Não é tão certo, é possível que tudo tenha sido puxado para cima, inclusive os mais pobres, mas não necessariamente em maior proporção que os mais ricos.

A forma como medimos a desigualdade sem dúvida a subestima. No Brasil, ela é sem dúvida ainda mais alta do que muitas estatísticas oficiais dizem porque a maior parte delas se baseia em pesquisas familiares com autodeclaração. O problema dessas pesquisas é que temos tendência a subestimar o topo da distribuição. Infelizmente, tem sido muito difícil acessar os dados fiscais do Brasil.

Falta transparência?

Estudo recente (de pesquisadores da Universidade de Brasília) sugere que, se utilizamos dados fiscais, o nível das desigualdades no Brasil aumenta. Não sabemos muitas coisas sobre a distribuição da renda no Brasil e precisamos de mais transparência para ver melhor em que medida os diferentes grupos sociais se beneficiam do crescimento.

É evidente que todo o mundo se beneficiou do crescimento dos últimos 15 anos. Agora, em qual proporção exatamente os diferentes grupos se beneficiaram dele não sabemos muito bem. É possível que se tenha exagerado um pouco a [divulgação da] redução das desigualdades no Brasil.

Dilma também disse preferir investir em consumo e educação para lutar contra desigualdade a fazer taxação, como o sr. defende. Isso é suficiente?

Também é preciso reforma fiscal, de um imposto progressivo sobre a renda e sobre o patrimônio. Precisamos da reforma fiscal para financiar a educação. Acrescento que uma parte das desigualdades grandes do Brasil se explica pela relativamente baixa progressividade do sistema fiscal.

Como seria a reforma?

A faixa mais alta de Imposto de Renda no Brasil é de 27,5%, inferior à menor dos Estados Unidos. Creio que uma das razões pela qual há muito desigualdade no Brasil é a progressividade de IR relativamente baixa. Há também muitos impostos indiretos, que são regressivos e pesam sobre as camadas populares.

É importante também tratar de forma diferente as rendas anuais de R$ 100 mil e de R$ 1 milhão, R$ 5 milhões e R$ 10 milhões. Poderíamos ter faixas mais elevadas, de 50%, 60%.

Como na sua França natal?

Também como os EUA, o Reino Unido, a Alemanha, que têm taxas que vão até 40%, 50%. É ainda mais impressionante o imposto sobre herança, 4% [na maioria dos Estados] é realmente baixo, muito perto de zero.

É possível ter uma economia dinâmica e sistema capitalista próspero com imposto sobre herança alto. Para as novas gerações que não têm patrimônio familiar e procuram comprar apartamento em São Paulo, é muito difícil se você só tem a renda de seu trabalho. Não é normal que você ganhe R$ 100 mil por ano com seu trabalho e pague muito mais de imposto do que se você recebesse R$ 100 mil de herança de sua família.

O governo oficializou uma nova equipe econômica com um ministro da Fazenda mais ligado ao mercado e vindo de uma escola liberal. Que avaliação o sr. faz disso?

Não conheço o contexto político brasileiro, não posso me pronunciar. Quem quer que seja colocado no comando da política, qualquer que seja a orientação, os níveis de desigualdade muito altos que temos no Brasil devem ser questionados e tratados pelo governo, assim como a baixa progressividade do sistema fiscal.

Mas abordagem liberal e pró-mercado é boa ideia para enfrentar tais desafios?

Precisamos de mercado e também de poder público que tome decisões que permitam a cada um de se beneficiar da globalização e dos mercados.

Eu tento ir além dessas oposições um pouco teóricas e ideológicas. Creio que que seria um erro pensar que o Brasil fez demais na área social, que fez demais para reduzir a desigualdade, que agora é preciso mais mercado, menos intervenção, eu acho que isso seria um erro. Apesar dos esforços que foram feitos em políticas sociais nos últimos 15 anos, o Brasil continua extraordinariamente desigual. O nível de investimento social, educacional para os desfavorecidos da população brasileira continua insuficiente.

O sr. defende que os estudos em economia levem em conta aspectos históricos, sociais, políticos e culturais. Isso é importante também para a gestão econômica do governo?

Sim, é importante para o governo também. A questão econômica é importante demais para ser deixada para economistas, que às vezes tentam fazer crer que dispõem de uma ciência realmente complicada que os outros não podem compreender e que é preciso deixá-los em paz. Isso é uma piada gigantesca.

O nome de seu livro, que remete a Karl Marx, e algumas de suas opiniões fazem que muitos o considerem anticapitalista.

O problema é que há gente que vive ainda na Guerra Fria e tem necessidade de inimigos anticapitalistas. Não sou esse inimigo. Creio no capitalismo, na propriedade privada e nas forças do mercado.

Nasci tarde demais para ter a menor tentação que seja pelo comunismo de tipo soviético. Isso não me interessa. Ao mesmo tempo, acho que temos necessidade, basta ver a crise de 2008, de instituições públicas muito fortes para regular o mercado financeiro e as desigualdades produzidas pelo capitalismo.

Sua defesa de um imposto global sobre grandes fortunas já foi feita por outros autores e nunca avançou. Não é ingênuo crer que seja realmente possível contrariar tantos interesses contrários?

Não precisamos esperar ter um governo mundial, um imposto unificado mundial para fazer progressos, se não arriscamos esperar um longo tempo. Podemos fazer progresso por etapas e a nível nacional. Há diferentes formas de imposto sobre capital e patrimônio em cada país, que podem ser melhorados de forma mais progressiva. Em seguida podemos progredir na cooperação internacional, como já tem sido feito quanto aos paraísos fiscais.

Como o sr. demonstra, a desigualdade no século 20 só caiu em um contexto de crise e reconstrução das sociedade após duas guerras mundiais. Seria mesmo possível algo tão ambicioso em tempos de paz?

As lições de história são importantes, as elites que não querem pagar mais impostos no Brasil, nos EUA e na Europa devem se lembrar que não é uma boa solução esperar a crise. Todo o mundo precisa de uma globalização que seja mais justa, que beneficie diferentes grupos sociais em proporção equilibrada. Se não, é a própria globalização que arrisca ser questionada.

* A reportagem é de Rodrigo Vizeu, publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 28-11-2014.

** Artigo extraído do site www.ihu.unisinos.br

Imposto no país esconde desigualdade, diz autor que critica capitalismo

Mariana Bomfim
Do UOL, em São Paulo

O economista francês Thomas Piketty,  autor do best seller “O Capital no Século 21”, disse que os dados sobre Imposto de Renda e de patrimônio no Brasil são pouco transparentes e de difícil acesso.

Em São Paulo para participar de debate na USP (Universidade de São Paulo) nesta quarta -feira (26), Piketty afirmou que a falta de transparência atrapalha a elaboração de estatísticas e, consequentemente, de políticas tributárias.

“Nós sabemos que a desigualdade social é alta no país,  mas ela deve ser ainda mais alta do que mostram as pesquisas”, disse. Até mesmo os resultados das pesquisas variam muito, a ponto de uma apontar que o país é mais desigual que os Estados Unidos e outra apontar o contrário, segundo ele.

A ausência de uma série histórica de dados detalhados sobre tributação impediu que o país fizesse parte da análise apresentada por Piketty em seu livro. Nele, o autor estuda a dinâmica global de distribuição de renda e riqueza em mais de 20 países desde o século 18. Outros países não entraram na análise pelo mesmo motivo.

Tributação progressiva da riqueza

Com mais de 700 páginas, a obra conclui que muitos países com taxas de crescimento baixas estão voltando a uma situação de acumulação de riqueza por poucos, o que era a regra até a Primeira Guerra. Os gastos com o conflito diminuíram a concentração de renda, que começou a subir novamente nos anos 1980 e, para o francês, é nociva para o próprio capitalismo.

Piketty defendeu, no debate, que os países tributem progressivamente a riqueza. “Não podemos tributar igualmente quem ganha US$ 1.000, US$ 10.000 e US$ 1 milhão”, diz.

Um ponto importante dessa tributação seria incluir o capital financeiro na conta. “Quase todos os países já cobram impostos sobre a riqueza. O problema é que as políticas fiscais foram criadas numa época em que eram os imóveis que representavam a maior parte dela”, disse. “Hoje, é o capital financeiro que tem maior participação na riqueza acumulada.”

O aumento da tributação de heranças também foi outra medida sugerida pelo economista. “Você deveria pagar menos impostos se produziu algo com o seu trabalho e mais se recebeu sua riqueza de alguém”, falou.

O economista Paulo Guedes, que participou do debate, disse acreditar que o aumento dos impostos sobre heranças é inevitável. “Quando o imposto de renda foi criado, houve resistência. A mesma coisa acontece com a questão da herança.”

Piketty, Guedes, André Lara Resende, economista também presente no evento, disseram que, além de mudanças na política tributária, é necessário investir em educação para combater a desigualdade social.

“Meu livro não é pessimista ou apocalíptico”, disse Piketty. “Eu acredito na globalização. O que precisamos é das políticas certas para todos se beneficiarem dela de maneira equilibrada.”

* artigo extraído do site economia.uol.com.br

Financial Times: a extrema-esquerda está certa

Como nos anos 1930, algum tipo de ruptura é inevitável e se não for para a esquerda, pode ser na direção do fascismo ou do fundamentalismo

por Antonio Luiz M. C. Costa

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Loja da Starbucks pichada após manifestação de estudantes em Londres no último dia 19 de novembro

 

Quando um editor e colunista de primeira linha de um jornal financeiro mundialmente respeitado dá razão à extrema-esquerda, é hora de parar, ler e pensar. Referimo-nos a Wolfgang Münchau, editor associado do Financial Times, no qual mantém uma coluna semanal sobre a economia europeia. O título desta, na edição do domingo, 23 de novembro foi: “a esquerda radical está certa sobre a dívida europeia”.

Refere-se, em especial, ao partido espanhol Podemos, ao grego Syriza e ao alemão Die Linke (“A Esquerda”), as duas primeiras formações novas criadas a partir de núcleos de origem no trotskismo e no movimento “antiglobalização” e o terceiro um descendente direto do Partido Comunista da antiga Alemanha Oriental. E explica: o consenso internacional dos analistas econômicos, não necessariamente de esquerda, é que a Zona do Euro precisa de reestruturação da dívida e investimentos no setor público, mas partidos como esses são os únicos nos quais se pode votar para defender esse programa. Social-democratas e socialistas, uma vez no governo, aceitaram a agenda conservadora de Angela Merkel em todos os seus pontos essenciais.

A coluna analisa com mais detalhe o Podemos, o mais jovem desses partidos e “o que chega mais perto de oferecer um enfoque consistente para uma política econômica pós-crise”. O programa exposto pelo economista Nacho Álvarez, um dos membros da cúpula do partido, baseia-se em renegociação das taxas de juros, períodos de graça, reescalonamento e anulação parcial da dívida, à maneira de alguns países sul-americanos. Ao contrário do “Movimento 5 Estrelas italiano”, cujo objetivo declarado é tirar o país do euro, o Podemos “não é a favor de sair do euro, nem de fazer mais sacrifícios por ele”.

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Encontro do Podemos, partido político recém-criado na Espanha, realizado em Madri no último dia 15 de novembro

 

 

Para Münchau, é uma posição equilibrada, por mais que se queira tachá-la de bolivariana. “A tragédia da Zona do Euro é o senso de resignação com que os partidos do centro-esquerda e centro-direita estão deixando a Europa deslizar para o equivalente econômico de um inverno nuclear. É uma tragédia particular que partidos da ultra-esquerda sejam os únicos a apoiar políticas sensatas como a reestruturação da dívida”.

No atual estado de coisas, o absurdo está em pensar que a dívida é sustentável e o problema se resolverá por si só, como se fosse possível ignorar que o continente caminha para uma longa estagnação que, mais cedo ou mais tarde, tornará impossível cumprir esses compromissos financeiros e pode levar à desintegração política e econômica.

A começar dos anos 1980, se não desde o maio de 1968, tornou-se uma obsessão por parte dos agentes do poder financeiro e político não permitir que movimentos políticos e sociais proponham alternativas reais sem serem ridicularizados. Qualquer tentativa de mudar o mundo deve ser percebida como fantasia ociosa. TINA, “There is no alternative”, era o lema favorito de Margaret Thatcher e desde então o consenso dominante da mídia e da política não fazem mais do que repeti-lo em diferentes formulações.

Acontece que o rumo ao qual conduz o pensamento único no qual se embutiu a ideia de que os interesses do sistema financeiro são supremos e sagrados começa a se tornar visivelmente inviável. É evidentemente insustentável a longo prazo por razões ecológicas, mas antes disso cai na pura impossibilidade de contábil e política de pagar as dívidas públicas e privadas e poupar as instituições financeiras das consequências de seus próprios erros, enquanto se mantém uma grande parte da população desempregada e ameaçada de perder suas moradias e os serviços sociais dos quais depende para sobreviver com dignidade. Como nos anos 1930, algum tipo de ruptura é inevitável e se não for para a esquerda, pode ser na direção do fascismo ou do fundamentalismo.

* artigo extraído do site cartacapital.com.br

Propostas para uma tributação mais justa

Ribamar Oliveira *

A tese de mestrado do economista Fábio Avila de Castro, que trata da progressividade do imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) e o seu efeito na redistribuição de renda, está tendo grande repercussão na área acadêmica e no próprio governo. Dentro do contexto brasileiro, em que a carga tributária continua muito concentrada nos tributos sobre o consumo, o economista mostra que há espaço para que o IRPF possa desencadear um processo paulatino de alteração desse perfil indesejável.
Castro, que é funcionário da Receita Federal, apresentou sua tese neste ano, junto ao Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), como parte dos requisitos à obtenção do título de mestre em economia do setor público.
A motivação de Castro foi a constatação de que existem poucos estudos sobre a progressividade do IRPF no Brasil, com a utilização de índices que possibilitam a comparação entre diversos países. Para análise do caso brasileiro, ele utilizou as declarações do IRPF entregues no período de 2006 a 2012, os estudos da Receita Federal sobre a carga tributária e os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).
Como o trabalho é bastante extenso e técnico, aqui serão apresentado apenas alguns aspectos e conclusões. A primeira constatação do estudo é que, em 2012, a receita dos tributos sobre bens e serviços representava 17,83% do Produto Interno Bruto (PIB) e 49,73% da carga tributária bruta (compreendendo a União, os Estados e os municípios). Ao mesmo tempo, a arrecadação dos tributos sobre a renda representava 7,78% do PIB e 21,69% da carga. No caso do IRPF, a receita aumentou de 2,03% do PIB para 2,73% do PIB e sua participação na carga subiu de 6,4% para 6,71%, de 2003 a 2012.
O número de contribuintes do IRPF é pequeno, pois o Brasil ainda é um país de renda média.
Em 2012, apenas 14,4 milhões de pessoas eram contribuintes do IRPF, o que representava 7,3% da população total.
Os dados, por si, mostram que a carga tributária brasileira é regressiva, pois os tributos que incidem sobre o bens e serviços, conhecidos na área técnica como tributos indiretos, oneram mais os pobres do que os ricos proporcionalmente às rendas. Os impostos sobre a renda e a propriedade, chamados de tributos diretos, costumam incidir com maior intensidade sobre os mais ricos, por isso são considerados progressivos.
Da análise dos números, segundo o economista, emergem dois fatos importantes. O primeiro é que não há como fazer uma transformação radical na redistribuição da renda com a utilização do IRPF, cuja receita representa apenas 2,73% do PIB e 7,61% da carga total. Depois, pode-se melhorar consideravelmente o perfil redistributivo desonerando-se os tributos sobre bens e serviços à medida que se oneram os tributos diretos.
Na comparação com outros países, Castro informa que a carga tributária brasileira está próxima da média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), composta, em sua maioria, por países mais desenvolvidos e com renda média bem mais elevada. Com relação aos chamados países emergentes, a carga brasileira só perde para a da Rússia e fica bem acima da Índia, China e África do Sul. Na América Latina, a carga do Brasil é uma exceção e, em 2012, só foi menor que a da Argentina.
Os valores da receita do IRPF, comparados com o PIB e com a carga total, ficam bem abaixo da média dos países da OCDE e são menores que os números da Turquia e da Polônia, o que, segundo Castro, evidenciaria que há algum espaço para o crescimento desse tributo. As alíquotas brasileiras do IRPF, tanto a mínima quanto a máxima, estão entre as mais baixas da América Latina. Isso indicaria, para o economista, que a adoção de uma alíquota acima de 27,5% (a maior brasileira atualmente) “não seria uma medida fora de contexto”.
Para ele, o limite de isenção do IRPF parece adequado aos padrões da América Latina.
Castro acredita que a melhor solução para a tabela do IRPF brasileiro é reajustá-la a partir de agora pelo IPCA ou de acordo com a variação percentual do salário mínimo.
O economista concluiu que o IRPF brasileiro é bastante focado no segmento populacional de renda mais elevada. Ou seja, ele é bastante progressivo, inclusive pela ótica redistributiva. Mas ele constata que é preciso fazer avanços na tributação sobre os ganhos de capital. Castro observa que o Brasil é um dos poucos países que isenta totalmente a distribuição de lucros e dividendos, com o argumento de que é preciso evitar a bitributação. A renda isenta com lucros e dividendos passou de R$ 83,8 bilhões em 2006 para R$ 207,6 bilhões em 2012, um aumento nominal de 148% (veja tabela).
Entre as sugestões apresentadas por ele para tornar a tributação brasileira mais progressiva está a taxação em 15% dos lucros e dividendos. Isso daria receita adicional de R$ 31 bilhões. Outra é a criação de uma alíquota de 35% para o IRPF, que daria uma receita de R$ 18,6 bilhões. Castro alerta, no entanto, que para mudar o perfil da tributação brasileira seria necessário, ao mesmo tempo, reduzir as alíquotas dos tributos que incidem sobre o consumo – PIS e COFINS – na mesma proporção, de modo que a carga não aumente. O problema é se as autoridades adotarem apenas a primeira parte da proposta.

* Ribamar Oliveira é repórter especial e escreve às quintas-feiras E-mail ribamar.oliveira@valor.com.br

** Artigo extraído do site do Valor Econômico

 

O capital e a desigualdade na mesma

A desigualdade de renda é muito mais alta do que se supunha e pouco variou de 2006 a 2012, indicaram estudos pioneiros publicados em agosto e setembro por três pesquisadores da UnB. A novidade desses trabalhos foi calcular a concentração de rendimentos entre os mais ricos do país com base nas declarações do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF).

Os autores, Marcelo MedeirosPedro de Souza e Fábio de Castro, refinaram seu estudo, calculando índices de desigualdade para cada ano de 2006 a 2012, dados que apresentam hoje na reunião anual da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais). A desigualdade medida pelo índice de Gini variou quase nada, de 0,697 até 0,704. Começa o período analisado em 0,697, termina em 0,689.

O comentário é de Vinicius Torres Freire, jornalista, publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, 30-10-2014.

 

Medida pelos dados da Pnad, a desigualdade caiu até 2012, para um Gini próximo de 0,5. A Pnad é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, o grande levantamento anual da situação socioeconômica do país.

A trilha aberta pelo trio vai levar outros pesquisadores a fazer seus próprios testes e provocar um debate que deve ir muito além do âmbito especializado.

Um novo “tabelão” da distribuição de renda vai chamar a atenção para os rendimentos do capital, até agora subestimados. A nova base de dados deve sugerir uma revisão de estudos sobre causas da desigualdade pessoal da renda e o que fazer a respeito. Deve lançar luz sobre a mal estudada justiça da divisão do peso dos impostos. Sobre a tributação de trabalho e capital. Sobre a relevância de tributar o patrimônio.

Os pesquisadores recorreram aos dados do IR para estimar a distribuição de renda dos 10% mais ricos da população. É nessa faixa que a renda no IR difere mais daquela captada por pesquisas amostrais, não apenas a Pnad.

De 2006 a 2012, houve mudanças na distribuição da renda dos 90% “mais pobres” da população. Entre os mais ricos, a história parece ter sido outra. Combinando dados do IR e da Pnad, os pesquisadores estimam que a renda total cresceu 50% entre 2006 e 2012. A metade mais pobre ficou com 11% desse acréscimo; os 5% mais ricos, com 50%. O 1% mais rico ficou com 28% do crescimento.

Pnad é uma pesquisa tecnicamente muito boa, mas pode subestimar a renda dos mais ricos, o que ocorre com outras pesquisas do gênero pelo mundo. Dados do Censo, do mesmo IBGE, indicam essa tendência de subestimação.

Cálculos de desigualdade baseados no IRPF, por sua vez, diferem também daqueles baseados no Censo. O IR, claro, não é uma pesquisa, mas um registro formal de declaração de renda que trata de parte minoritária da população (em 2014, foram entregues 26,8 milhões de declarações).

Como os próprios pesquisadores reconhecem, o assunto é ainda tecnicamente controverso; não há metodologia “preto no branco” para fazer tais contas. “Nosso estudo é uma primeira estimativa.

As tendências gerais parecem claras, mas os números exatos ainda precisam ser interpretados com muita cautela. Nossa metodologia combina dados muito diferentes e depende de uma série de decisões que são um tanto arbitrárias. Tem suas fragilidades.”

*artigo extraído do site http://www.ihu.unisinos.br

Conferência em Lima, Peru, discute fluxos financeiros ilícitos

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Cada ano, os Estados perdem bilhões de dólares com impostos que deixam de ingressar nos cofres públicos. São fortunas que saem do país de forma ilícita, provenientes de atividades como: sonegação de tributos, corrupção, drogas e outros crimes. Esses fluxos financeiros ilícitos corroem a base tributável dos países, dificultam e atrasam o desenvolvimento econômico, afetando a população com a redução de recursos que os governos deveriam aplicar em saúde e educação.

Este foi o tema principal debatido na conferência anual sobre fluxos financeiros ilícitos – “Dinheiro e Recursos Internacionais Escondidos – Financiamento do Desenvolvimento com Transparência”, realizada em Lima, Peru, nos dias 13 e 14 de outubro de 2014, na qual o Instituto Justiça Fiscal – IJF, esteve presente.   O evento foi patrocinado pelas entidades Latindadd e Financial Transparency Coalition.

Saídas financeiras ilícitas de países em desenvolvimento, que totalizam quase US$ 1 trilhão de dólares por ano, corroem a base tributária e comprometem as contas públicas, essenciais para uma boa governança e estabilidade global. Os recursos de corrupção, evasão fiscal e outros crimes representam um ralo para suas economias, sufocando o desenvolvimento e a melhoria em infraestrutura. Maior transparência no sistema financeiro global permitiria aos governos aumentarem suas fontes de receitas, propiciando um desenvolvimento mais sustentável e financiado internamente.

A conferência reuniu funcionários de governos, organizações da sociedade civil, jornalistas e outros especialistas de diversos países para discutir os mecanismos dos fluxos financeiros ilícitos e também as ações que podem ser tomadas para coibir estes fluxos, no intuito de ajudar a financiar o desenvolvimento.

As apresentações e discussões durante esses dois dias do evento também examinaram os  vínculos entre os fluxos financeiros ilícitos e a agenda de desenvolvimento, tributação no setor extrativo, atividades criminais, financiamento climático, entre outros temas Foram apresentadas, ainda, propostas para uma maior transparência financeira.